8:39Ao José Antonio da Silva, o Zé Luis

Só descobri que ele era muito mais que um super-herói depois dos quarenta anos. Nunca é tarde!  Atravessei milhares de quilômetros e dei um beijo nele. O primeiro da minha vida lembrada. Ele já não andava mais e isso me fez pensar no quanto as garras da doença da alma lhe sufocavam com mais essa impossibilidade. Sim, porque a vida dele foi a luta constante contra esse monstro que só é conhecido por quem o tem desde sabe-se lá quando. A coisa que faz tudo sem cor, sem gosto, sem graça e, muitas vezes, faz a gente desistir e abreviar a existência. Ele segurou o tranco, fechou o semblante e mesmo se machucando durante toda uma existência, pela barreira que tinha para dizer uma palavra, fazer um carinho, dar um agrado, fez o que tinha de fazer. Subiu primeiro no lombo de uma mula para vender leitões pelo interior das Alagoas, pois as mãos finas e de dedos longos não eram mesmo para o cabo da enxada. Comprou e calçou então seu primeiro par de sapatos aos 15 anos, pegou um Ita e foi para o Rio de Janeiro lavar pratos e servir aos outros em botecos e restaurantes. Namorou a princesa que nascera no mesmo dia, do mesmo ano e vizinha de sítio lá no Nordeste, casou na origem, voltou para a cidade maravilhosa, cismou de ir para São Paulo,que emergia como locomotiva industrial, teve dois filhos, criou-os morando em subúrbio, construiu sua casinha, voltou a trabalhar como garçom, virou pequeno comerciante, vendeu tudo, fechou o ciclo de todo pau-de-arara decente e retornou para sua terra para ver sua amada ir embora primeiro. Ele foi quatro anos depois, no mesmo lugar, a UTI de um hospital. Antes de partir fez a reverência do agradecimento ao filho mais novo, que cuidou dele com a determinação herdada. Nos últimos momentos de lucidez viu que seus dois filhos estavam ali, porque nunca saímos do seu lado, mesmo quando, os três, perdidos na dependência do álcool, para desespero da dona Zefa. Quando ela foi embora os três estavam bem. Quando ele partiu já tinha retribuído o beijo de amor ao filho mais velho e tinha aberto a couraça para os netos, mostrando a imensidão de seu amor represado. A força com que fez tudo isso é  inimaginável. É o que me alimenta. É o que alimenta meu irmão. É o que tentamos passar para nossos filhos, com menos dificuldade da que ele teve, mas que, do jeito dele, nos ensinou a enfrentar e superar. Ele quase não falava. Não precisava. Nós somos ele. E isso é Deus.

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Uma ideia sobre “Ao José Antonio da Silva, o Zé Luis

  1. Simon Taylor

    Teus textos de dia dos pais e dia das mães são imbatíveis. Tá certo que vc tá falando dos teu pais, mas quando a gente lê, soa como se vc estivesse falando dos nossos pais.
    E é isso aí: nós somos eles.

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