6:44A Senhora da Luz merece respeito

Por Ivan Schmidt

Não é necessário ser nenhum gênio para compreender o real sentido do comportamento dos políticos, especialmente os que cumprem mandatos em todos os níveis do executivo e do legislativo. Detentores de mandatos nas esferas citadas, prefeitos, governadores e presidente da República têm direito a exercer dois mandatos consecutivos, obviamente, se conseguirem a reeleição. Vereadores, deputados estaduais, federais e senadores não têm restrição ao número de mandatos, situação que a reforma política, se um dia acontecer nesse país, deveria tratar com o máximo de atenção e seriedade.

Voltando às primeiras linhas, compreender o real sentido comportamental dos detentores de mandatos populares, equivale a dizer que político que se preza pode fazer o que bem entender menos perder a eleição. É o que temos visto, pelo menos, nessa mui leal e valorosa cidadela de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Desde que o instituto da reeleição foi aprovado, os prefeitos no exercício do cargo foram reeleitos (Taniguchi e Beto Richa), assim como há vereadores que ostentam em seus históricos a conquista de sucessivos mandatos. Lamentavelmente alguns com o prazo de validade vencido.

Por exemplo, o vereador João Cláudio Derosso exerceu a presidência da Câmara por 14 anos até renunciar acossado por suspeitas de malversação de verbas públicas. Se tudo tivesse ocorrido como o vereador e seus assessores planejavam, seu nome seria quase obrigatório na composição da chapa do prefeito Luciano Ducci, na condição de candidato a vice-prefeito. Há também outros nomes que se perpetuam na relação de representantes da população, transformando o exercício da vereança numa atuação estritamente profissional, quando deveria ser o contrário.

A condição para a sucessiva conquista de mandatos na Câmara é estar atrelado de corpo e alma, gênero e número e outras coisinhas mais ao manual de instruções baixado pelo gabinete do prefeito, que, sobre o conteúdo programático detém todos os direitos autorais, não se admitindo quaisquer emendas. Todavia, a contrapartida não deixa de ser atraente e compensatória, porque os vereadores são altamente beneficiados pelos dividendos dessa subordinação, aparecendo seus nomes sempre associados às obras aprovadas para os bairros onde se localizam seus currais eleitorais, além da facilidade na proposição de emendas à lei orçamentária do município e a nomeação de afilhados.

O mesmo ocorreu no plano estadual e o primeiro a ser beneficiado pela reeleição foi Jaime Lerner, seguido por Roberto Requião, único cidadão paranaense a governar o estado por três vezes ungido pela vontade popular. Mais uma vez no Senado da República, integrado a um grupo de peemedebistas que se considera independente da orientação do Palácio do Planalto, na província o senador exerce cargo de altíssima relevância que é a presidência do diretório municipal do PMDB.

Ainda é cedo para falar da pretensão do governador Beto Richa em 2014, mas a julgar pela desenvoltura com que é visto nas andanças com o prefeito Luciano Ducci, que devem recrudescer e, a já anunciada disposição de ajudar candidatos situacionistas nos principais municípios visando sedimentar base sólida nos grandes colégios eleitorais leva as pitonisas (inclusive as que pululam nos amplos e iluminados corredores do Palácio Iguaçu), a apostar suas fichas na reeleição.

Abstraída a ideia do parágrafo acima, se os vereadores por força da sobrevivência política tornam-se acólitos do prefeito no aparatoso te-déum em que sempre se transforma a administração pública, o que dizer dos deputados? Mais uma vez o exemplo da Assembleia Legislativa é inquestionável quanto à capacidade mimética dos deputados encandeados pela luz ofuscante das facilidades governamentais. A atual oposição ao governo está restrita a um grupo ínfimo de deputados, que de si mesmos não reúnem votos suficientes para aprovar uma simples moção de solidariedade.

Os demais, incluindo os que pertencem ao partido do governador, configuram uma mescla cuja vocação para o repasto público se assemelha a um bloco carnavalesco sempre aberto a qualquer folião disposto a se esbaldar. Mistura heterogênea que inclui o PMDB, hoje tão dócil ao chamamento do governo como qualquer legenda de aluguel.

“O que é ser politicamente sagaz, ou talentoso, ser um gênio político, ou mesmo nada mais do que um político competente, saber fazer as coisas acontecerem?”, pergunta o ensaísta Isaiah Berlin, antigo professor de ciência política em Oxford. Peço desculpas por invocar um homem de tanta sabedoria quanto foi Berlin para escarafunchar a trajetória sem barreiras da maioria dos vereadores curitibanos e deputados estaduais hipnotizados pelo poder. Creio que pouquíssimos desses políticos fariam jus à observação do mestre que “é possível ensinar-lhes uma coisa chamada política – a ciência dos relacionamentos dos seres humanos uns com os outros e com o meio – que consiste, como outras ciências, em sistemas de hipóteses comprovadas, organizadas segundo leis que capacitam pelo uso de experimentos posteriores, a descobrir outros fatos e a provar novas hipóteses”.

Ou seja, um caminho que lhes permita melhor servir a comunidade carente, tema principal do discurso de nove entre dez homens públicos, sem vergar a espinha dorsal aos detentores do poder na ignóbil posição do “sim, senhor”.

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5 ideias sobre “A Senhora da Luz merece respeito

  1. Zuleika

    Mas que belo artigo! Precisamos mesmo de uma reforma política, pois, infelizmente, nossos representantes não tem projetos de governo, apenas projetos de reeleição.

  2. lauro

    até quando o assessor de imprensa da associação comercial do parana vai ficar dando pitaco furado na política local, enquanto os presidentes da acp e da fecomércio estão dia sim dia não nos eventos e nas fotos com os políticos locais? engraçado que anteontem o chefe do seu ivan, o edson ramon, presidente da acp, derramou elogios ao beto richa e ao luciano ducci. nada como a diversidade de opiniões entre o chefe e o seu assessor de imprensa. democracia é isso

  3. Ivan Schmidt

    Prezado Lauro: o fato de ser assessor de imprensa de uma instituição do porte da ACP (o que muito me honra), não me obriga a renunciar a prerrogativa de ver, interpretar e divulgar o que penso sobre o que quer que seja, da densidade da margarina à influência dos raios gama sobre as margaridas do campo. A ACP me paga pela competência profissional e, infelizmente para você, nesse contrato de prestação de serviços não foi incluído o controle do pensamento. Aliás, uma coisa de fascistas empedernidos que, volta e meia destilam o fel de seus preconceitos em espaços democráticos como o blog do Ze Beto…

  4. lauro

    A única prerrogativa do assessor de imprensa é a do bico calado. Quem vê, interpreta e divulga o que pensa é o assessorado não o assessor. Quem não entende isso não pode ser assessor, que vá escrever na Folha do Nhundiaquara sobre a densidade do barreado. Engraçado é que quando era lacaio do Requião, no pior governo que o Estado já teve, o senhor Ivan não nos brindava com suas pensatas. Gostaríamos muito de ter tido esse insight de quem era testemunha íntima do desgoverno, principalmente na área da segurança, que tanto vitimou e continua vitimando os associados da ACP.

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