6:06A periferia também tem voz

por Ivan Schmidt

Por que Gustavo Fruet ganhou a eleição para a prefeitura de Curitiba com 60% dos votos válidos, conforme indicaram as últimas pesquisas do segundo turno? Por que o oponente, Ratinho Junior, embora tendo feito bonito não rompeu a barreira dos 40%, ficando num honroso segundo lugar?

Ratinho Junior realizou campanha brilhante no primeiro turno, apresentando-se ao eleitorado como a nova promessa da política curitibana, conquistando de imediato a simpatia popular e a vantagem (mesmo apertada) nas pesquisas. Filho do badalado apresentador Ratinho (SBT) e dono da Rede Massa, Junior, como é chamado em casa, desfilou seu carisma entre a população dos novos bairros que se formaram na periferia, especialmente na zona sul da cidade, usando uma linguagem muito parecida com a dos moradores locais, credenciando-se como pule de dez para a disputa pela prefeitura.

Ao contrário do que se pensava no início da campanha, o candidato à reeleição Luciano Ducci, mesmo apoiado pelo governador Beto Richa e empurrado pela azeitada máquina da prefeitura, não teve força para suplantar o bom desempenho de Ratinho Junior (esteve sempre em segundo lugar), imaginando que seu potencial estava sendo reservado para o segundo turno, como supunham até as pedras do calçamento do Largo da Ordem.

A estratégia parecia perfeitamente recomendável para as circunstâncias dadas e abria um sorriso largo na face do prefeito, que já se imaginava na disputa do segundo turno, com a concordância da maioria dos críticos. Os estrategistas de Ducci certamente alimentavam a tese de que grande parte dos eleitores de Gustavo Fruet e Rafael Greca, afinal, gente da classe média com renda mensal elevada e instrução superior, não teriam problemas de consciência em transferir seus votos para o número 45.

Desagradabilíssima foi a surpresa do prefeito Luciano Ducci ante a inesperada derrota que lhe foi imposta no dia 7 de outubro, graças à espetacular atropelada do candidato Gustavo Fruet, que na clássica linguagem turfística, poucos metros antes do disco final emparelhou e ultrapassou o oponente por apenas um pescoço.

Mais pesarosa foi a noite do prefeito e do governador Beto Richa, além do magote de luas pretas abrigado no Paço Municipal e Palácio Iguaçu, quando os números apresentados pelo Ibope na pesquisa boca de urna (Ducci estava em segundo) foram desmentidos pelo primeiro boletim da apuração liberado pelo Tribunal Regional Eleitoral. O candidato escolhido pelos curitibanos para enfrentar Ratinho Junior no páreo decisivo era Gustavo Fruet.

A tendência dos últimos dias antes do primeiro turno, as pesquisas divulgadas no sábado (6) apontaram empate técnico entre Ducci e Fruet, com pequena vantagem para o prefeito, acabou se concretizando no dia da eleição, para se confirmar galhardamente já nas primeiras enquetes da intenção de voto para o segundo turno, quando a disparada de Gustavo tornou-se incontestável.

O cálculo feito nos arraiais da campanha de Ducci havia sofrido um repentino deslocamento e acabou caindo no colo dos planejadores da campanha de Fruet, aliás, fazendo inteira justiça à sua confiança pessoal em passar para o segundo turno. Ocorreu, então, nas três semanas que antecederam o segundo turno, a migração natural de parcela ponderável de eleitores de Ducci e Greca (alguns chegam a estimar em 70% o percentual de eleitores de cada um) em benefício do candidato da aliança PDT-PT-PV.

Nada mais apropriado que atribuir a esse voto o apego histórico dos curitibanos à cidade e, em certa medida, a postura conservadora que até aqui tem prevalecido no calor da hora. Longe de se assemelhar a qualquer espécie de preconceito, classificado por alguns como menosprezo a alguém vindo do interior, não de família tradicional e alheio ao estrato mais próximo da elite, a maioria aproveitou a oportunidade para enviar cristalino recado aos pretensos donos do poder, interpretando o que Norberto Bobbio enunciou com enorme razão: “O sujeito da democracia só o é no seu espaço próprio: as cabines eleitorais em que vota”.

Mas, há um recado bem mais incisivo ao novo prefeito curitibano, qual seja a existência real e insofismável de outra Curitiba, de onde pipocaram os 40% de votos dados a Ratinho Junior. É, na verdade, a nova Curitiba que arrebentou as divisas antigas de uma metrópole que se projeta para o século XXI com imensos problemas na estrutura pública da saúde, segurança, educação, mobilidade urbana e habitação, entre outros. Aliás, o último quesito será um dos desafios mais prementes da nova administração, tendo em vista já estarem praticamente esgotados todos os espaços destinados à implantação de empreendimentos imobiliários.

A voz desta população periférica provavelmente se fez ouvir pela primeira vez com tamanha ressonância, chamando a atenção dos dirigentes municipais. São milhares de famílias vivendo em condições precárias, sem acesso aos benefícios do bem-estar social sempre prometido, mas raramente entregues pelo ente público.  A partir da nova administração nenhum planejamento poderá ser feito sem tratar estritamente dos problemas da periferia, o que significa dizer, a manutenção do diálogo franco e produtivo com uma parcela da população que só é lembrada, infelizmente, nas campanhas políticas.

Gustavo Fruet, que terá seu batismo de fogo na função executiva (e foi questionado por isso pelo oponente), no período que antecedeu a campanha e no exíguo espaço que o separa da posse, com o respaldo da brilhante equipe técnica e do trio da transição, continuará mergulhado na problemática que deverá encarar a partir de 1º de janeiro de 2013.

Uma das inquietações que persistem no bestunto dos especuladores é se Gustavo terá a autonomia necessária para montar o corpo de auxiliares diretos – o procurador geral, secretários municipais e dirigentes da Urbs e Ippuc – sem render-se à pressão do maior partido da coligação, o PT, que certamente está a fim de empalmar sólidos nacos na administração da cidade.

O espírito conciliador, o discurso objetivo e a habilidade com que Fruet tem se apresentado nos eventos posteriores à eleição, marcas de um político consciente das responsabilidades que vai assumir, apesar das pitonisas sempre aptas a apostar no caos, parecem mostrar que o eleitor acertou a mão. E a meu ver, um fato definitivo: Gustavo é suficientemente instruído e lúcido para não jogar fora a grande oportunidade de sua vida.

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9 ideias sobre “A periferia também tem voz

  1. sheila

    o magote de lua preta que estava abrigado no governo requião, agora é um magote de lua preta abrigado na acp, e acha que tem autoridade para falar de política.

  2. Olavo

    Mais que isso, a periferia tem voz e não morre mais de fome.
    Não esta mais em desvantagem. Produz, tem mais poder aquisitivo e, mais uma ou duas eleições, vai acabar decidindo uma eleição metropolitana. Fique esperto quem a acha despreparada. Qualifica-la ainda mais é a função do executivo.
    Quanto a redutos e guetos, Sheila, isso é também preconceito.

  3. LINEU TOMASS

    CARO ZÉ BETO.

    Parabéns pelo texto que analisou bem a situação social de nossa Capital, tida como um modelo para o país e para o mundo, o que não corresponde a realidade. Este modelo está se esgarçando. Hoje temos em verdade duas “Curitibas”. Uma que vai do bairro do Seminário até o alto da Rua Quinze, região LESTE /OESTE, e a outra, que vai do bairro do Cabral até o bairro do Água Verde, região NORTE/SUL.

    Esta divisão começou tímida a partir dos anos 60 nos (fase LERNER), quando a ordem na Prefeitura era barrar qualquer benefício aos moradores das áres de invasão ou áreas em litígio, a exemplo da proibição de instalação de uma torneira de água potável na Vila Pinto, cuja população tomava água de poço, contaminada por fossa ao lado do poço.

    A Curitiba do Batel não a mesma Curitiba do bairro do Tatuquara. Seria interessante que os urbanistas e os colegas jornalistas “fans” de nossa Curitiba, e os donos do orçamento da Capital, pensassem nisto. Que tal tirar um final de semana e dar uma olhada nesta outra Curitiba, da periferia ? Sugiro o bairro do Tatuquara, pariferia da Fazendinha, Barigui I e II, CIC, Vila Verde, Morro do Piolho etc. etc. etc.

    Já não é sem tempo de Curitiba acabar com esta divisão das duas classes sociais que consagraram-se no país. Os da ” Casa Grande “, e os da “Senzala”.

    Um abraço Zé. LINEU TOMASS.

  4. Ivan Schmidt

    Prezado Lineu: suas constatações são o retrato perfeito dessa imensa Curitiba que muita gente sequer conhece. Tomara que esse texto seja lido pelos membros da equipe do Gustavo Fruet.

  5. Célio Heitor Guimarães

    Um texto que precisa ser não apenas lido, mas sobretudo refletido pela equipe do novo prefeito. Particularmente os dois últimos parágrafos. Parabéns, Ivan. Brilhante, como sempre.

  6. antonio carlos

    Prezado peço-lhe venia mas votar no 45 era impossível, mesmo eu querendo não seria possível, por mais que tentasse, o número do Ducci era 40. ACarlos

  7. alzir lima

    Parabéns pelo texto Ivan. E viva Curitiba , que com certeza terá no prefeito Gustavo Fruet o resgate da cidade como um todo.

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