10:26A liminar que reabre o debate sobre a censura

Do jornal O Globo

 

Justiça proíbe publicação de investigação contra desembargador e reabre debate sobre censura

Segundo ANJ, houve onze casos de ações judiciais que impediram a divulgação de reportagens em 2012

 

O mais novo caso de veto judicial ao trabalho jornalístico no país — a proibição de que o jornal “Gazeta do Povo”, do Paraná, publique informações sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do estado, Clayton Camargo — reabre o debate sobre a censura prévia ao trabalho da imprensa. A decisão, noticiada sábado pelo jornalista Ancelmo Gois em sua coluna em O GLOBO, é, para especialistas, mais uma no rol das que abalam a liberdade de expressão no Brasil, que, em 2012, caiu de 99 para 108 no ranking mundial sobre o tema, divulgado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras. Dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ) mostram que, no ano passado, houve onze casos de ações judiciais que impediram a divulgação de reportagens.

— É lamentável. Trata-se de pura e simples censura, o que é proibido pela Constituição. Isso tem sido recorrente. Com muita frequência ,essas decisões posteriormente são revogadas com os recursos. Mas o mal já está feito. Porque a censura, mesmo por pouco tempo, é uma inconstitucionalidade — analisa o diretor-executivo da ANJ, Ricardo Pedreira.

Relatório da Sociedade Interamericana de Imprensa, de abril, aponta a preocupação com “a recorrência de decisões judiciais proibindo previamente a divulgação de informações pelos meios de comunicação”. A SIP cita especificamente o caso do jornal “O Estado de S. Paulo, que segue proibido de divulgar informações sobre processo contra um dos filhos do senador José Sarney, Fernando Sarney.

— Pessoalmente, entendo que liberdade de imprensa é, antes de tudo, liberdade de informação. Assim, tudo o que for veículo de informação deveria estar a salvo de qualquer censura — disse o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto, que, na última sessão como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em novembro passado, criou o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa.

— A informação verdadeira é um direito dos cidadãos. Quem se coloca contra a liberdade de expressão são as autoridades. Estamos diante de uma ofensiva judicial para retirar do povo, por caminhos transversos, o direito à informação — avalia o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), que acaba de assumir a presidência da comissão de liberdade de expressão da OAB-RJ.

Decisão atinge também conteúdo digital

Em abril, o CNJ abriu a investigação para apurar a suspeita de venda de sentença por Cleyton Camargo. A advogada de uma das partes de uma ação que julgou, quando atuava como magistrado da área de Família, o acusou de ter recebido dinheiro para decidir em favor da outra parte, em uma ação que envolvia disputa de guarda de filhos, em 2011. No mês passado,a corregedoria do CNJ abriu outro procedimento, desta vez para investigar suspeita de que Cleyton Camargo teria usado sua influência para favorecer a candidatura do filho, o deputado estadual Fábio Camargo (PTB), à vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Fábio tomou posse no final de julho. Procurados pelo GLOBO, o presidente do TJ e o deputado não foram localizados.

A liminar garantindo que as notícias sobre as denúncias não fossem publicadas no jornal foi concedida há um mês. O desembargador, no pedido, sustenta que “os fatos em notícia (…)vieram impregnados pelo ranço odioso da mais torpe mentira”. Ele pede, ainda, que as reportagens sejam retiradas da página do jornal na internet.

Ayres Britto admite que ainda há um vazio quando se trata de informações jornalísticas publicadas pela internet.

— Em 1988, já havia computadores, mas não havia uma rede planetarizada, não havia conectividade. Assim, a Constitução não trata de liberdade de imprensa na internet. Isso é um assunto complexo que demanda uma discussão mais aprofundada — explicou o ex-ministro.

¨— Essa indústria de ações contribui para levar o Brasil a posições ruins no ranking da liberdade de imprensa — diz o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Moreira.

Na decisão, o juiz Benjamin Acácio de Moura e Costa destaca caráter “degradante e pessoalizado” nas reportagens, “transcendendo o dever informativo”, criando o que chama de “garupa na liberdade de imprensa, constitucionalmente garantida, um instrumento por vezes leviano de se atingir a pessoa humana”. A “Gazeta do Povo”, no recurso ajuizado este mês, sustenta que “não existe qualquer agressão a direitos da personalidade do autor, mencionado nas reportagens na qualidade de autoridade pública” e que “as reportagens que abordam as investigações empreendidas servem ao acervo de informações disponíveis sobre a história do Paraná e o direito à história não permite o uso da borracha”. (Colaboraram: Martha Beck e Cleide Carvalho)

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5 ideias sobre “A liminar que reabre o debate sobre a censura

  1. mauricio ramos thomaz

    O Judiciário do Paraná é mesmo um piada de mau gosto além de ser o pior do país. O desembargador presidente do TJPR , acusado de venda de sentença, consegue censura prévia e JOSMAR AMBRUS , assessor de outro desembargador Jurandyr dos Reis Júnior, quer o mesmo em relação a mim pois eu provei que ele está advogando de dentro do Tribunal o que é no mínimo ilegal e imoral.A boa noticia é que ele está fracassando na tentativa; depois do sucesso inicial a decisão foi revertida e amanhã em audiência ele deve ter outra reversão.

  2. poor devil

    É triste vermos este filme passar novamente, a censura só é boa para quem deve alguma coisa, mas não deve não teme, não é assim que se diz? Quem tem medo da verdade é o que mesmo? Honesto com certeza não é.

  3. Leitor de Veja

    Não há um deputado estadual que fez longos discursos quando se percebeu a censura imposta pelo governo bolivariano de Hugo Chavez, no que foi apoiado e repercutido por inúmeros blogueiros bons da nossa cidade?
    Agora o corre um caso de censura em nosso quintal envolvendo gente nossa e todos ficam quietinhos?
    Cadê a macheza?
    Eu lá quero saber de Venezuela! Eu quero saber é daqui!

  4. mauricio ramos thomaz

    O Jornal “O Globo” que deu a notícia que incrivelmente não repercutiu na “Gazeta do Povo” não da muitas informações sobre o processo. Apenas informa que “o juiz Benjamin Acácio de Moura e Costa destaca caráter “degradante e pessoalizado” para deferir a liminar a favor do presidente do Tribunal. Fiz uma pequena investigação e descobri algo muito estranho. Ocorre que este “juiz” nao é de fato um juiz. É um juiz de 2º grau substituto, também chamado de “sobrejuiz”. A rigor é um desembargador sem o mesmo “status”. Ora, estar nas boas graças do Presidente do Tribunal é importante – na verdade é vital – para ele virar desembargador. Há claro conflito de interesses se a informação for verdadeira e a notícia é mais escandalosa do que parece a primeira vista.Ele nao poderia decidir a favor de quem pode promove-lo.ISTO PRECISA SER BEM INVESTIGADO. PODE SER MUITO MAIS GRAVE DO QUE PARECE.

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