6:48A lição do Aragão

por Célio Heitor Guimarães

Carlos Heitor Cony é escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e velho jornalista. Já podia ter se aposentado da escrita, mas continua na ativa. Pelo menos uma vez por semana, na pág. 2 da Folha de S. Paulo. Ex-seminarista, Cony sempre escreveu bem, foi crítico literário, mas notabilizou-se por enfrentar a ditadura, nos primeiros dias da quartelada de 1964, com corajosos e atrevidos textos no extinto Correio da Manhã, do Rio, fato que o levou para trás das grades. Depois, dirigiu publicações da dimensão de Manchete, Fatos e Fotos e Ele Ela, e escreveu alguns livros de qualidade indiscutível, inclusive aquela trilogia assinada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek.

Mas Carlos Heitor é, sobretudo, um grande contador de histórias. Algumas já incluídas em seus livros, como o notável “Quase Memórias”. Outras, transmitidas oralmente, como aquela do Aragão, que ele contou, aqui mesmo em Curitiba, ao escritor neoparanaense João Castelo. É essa que hoje, por absoluto desânimo de voltar ao tema Lava-Jato e assemelhados e pela necessidade de preencher este espaço cedido pela generosidade do nosso ZB, recapitulo para os doze abnegados que ainda leem estes escritos.

Cony narrou que, quando estava no Jornal do Brasil, apareceu lá uma senhora dizendo que precisava de ajuda. Ela era diretora do Hospício Engenho Novo, dedicado aos pobres e indigentes, e queria que o pessoal do suplemento dominical, cujo forte eram as artes plásticas, fizesse uma matéria sobre uma exposição das pinturas dos loucos. Mário Pedrosa, que era um grande crítico teatral e chefiava a moçada, topou a parada e comandou todo mundo rumo ao Engenho Novo. Lá chegando, passaram em revista os quadros todos. Até que Mário empacou diante de um em especial e proclamou: “Esse aqui é um gênio, um Cèzane…”. Convocaram o autor. Era um tal de Aragão.

Pedrosa, que tinha os contatos dele, comunicou-se com o então ministro da Educação e foi feita uma exposição do Aragão, lá no Ministério, aquele edifício projetado pelo Niemeyer, com azulejos de Portinari, no Rio de Janeiro. Vendeu tudo. O Aragão, então, segundo o Cony, pediu baixa do hospício, fez a barba, cortou o cabelo e se mandou para a Europa. Esteve na Espanha e na Itália. Por três anos, ninguém soube dele. Até que um dia chega novamente no jornal aquela mulher:

— Olha, eu vim aqui outra vez por uma coisa muito chata. O Aragão…

E enquanto Cony e seus colegas pensavam que ele estava rico, famoso, ela completou:

— …está na pior, preso numa cela solitária, não pode sair. Está furioso. Vocês dão uma palavrinha com ele?

E lá foram Cony e o pessoal do jornal.

— Aragão, você é um pintor!  –  disse Mário Pedrosa ao Cèzane do Engenho Novo. “Não pode ficar assim, tem de voltar a pintar”.

Aragão olhou para o Mário e respondeu de bate pronto:

— Eu pintei. Mas ninguém tomou providências…

Diz Carlos Heitor Cony que com ele, como de resto com todos os escritores e jornalistas, ocorre mais ou menos a mesma coisa:

— A gente escreve, escreve, escreve e ninguém toma providências!

Sem a menor pretensão de comparar-me com o mestre ou com qualquer outro cultor da escrita, peço licença a Cony para usar também as sábias palavras do Aragão.

Depois de quase treze anos em O Estado do Paraná, por obra e graça do saudoso e insubstituível Mussa José Assis, desde fevereiro de 2011 tenho ocupado espaço neste blog. Dou os meus palpites, critico gregos e troianos, com especial predileção pelos poderosos de plantão, no Executivo, Legislativo e até no Judiciário, na esfera municipal, estadual e federal… Tenho feito provocações, usado de sutileza e de ironia e sido até, às vezes, excessivamente atrevido e impertinente, confesso…

E o meu querido editor, Roberto José da Silva, o grande Zé Beto, não toma nenhuma providência, puxa vida!…

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2 ideias sobre “A lição do Aragão

  1. Bittencourt

    Grande Célio, grande Cony. Nos quase 10 anos que trabalhei aqui na sucursal da Bloch, ia ao Rio a cada três ou quatro meses para ajudar em edições especiais, chamado pelos editores Roberto Barreiras e Janir Holanda e mais o Paulo Roque. E lá sempre dava um dedo de prosa, encostado na mesa do Cony, e não deixava de saudar o R.Magalhães Júnior – que escrevia com pena – ( juro por Deus!) e do Murilo Mello Filho. Todos sob a batuta do Roberto Mugiatti. Bons tempos aqueles! E então, Célio, eu estava bem emparceirado, heim?

  2. Célio Heitor Guimarães

    Muitíssimo bem, grande Bitte. Você foi um privilegiado por haver convivido com gente dessa gramatura. Parabéns. A propósito, o gaúcho Justino não estava mais lá?

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