por Thea Tavares
Você desliga a TV quando se cansa do obituário, digo, do noticiário ou quando percebe a veia sádica de quem monta a grade de programação dos filmes tanto nos canais abertos, quanto naqueles por assinatura. Nesse último caso, é pior, uma vez que você paga para abstrair da realidade, mas nem assim consegue.
No início dessa pandemia, até que pegaram leve: “O Dia Depois de Amanhã”, “2012”, “Contágio”, “Independence Day”, “Epidemia”, “impacto Profundo”, “O Inferno de Dante”, “Volcano”, “Terremoto: a Falha de San Andreas”, “Twister”, “Noé” e assim por diante. Logo, a natureza humana falou mais alto e vieram todas as sequências dos mais famosos filmes de terror, a fim de facilitar o trabalho do novo coronavírus, minando a imunidade emocional do vivente: “A Hora do Pesadelo”, “O Exorcista”, “O Círculo do Medo”, “A Invocação do Mal”, “O Chamado”, “Jogos Mortais”, “Pânico”, “Poltergheist” etc.
Mas, saindo do entretenimento, como é que você desliga a pobreza das ideias ou controla quando querem muito lhe contar algo para “animar” seus dias de quarentena?
– OI! Tudo bem?
– Tudo, sim (até então, estava).
– Mandei pra você uma mensagem que recebi no grupo da igreja agorinha, mas você nem visualizou ainda.
– Ah, eu estava tirando uma soneca. Com esse friozinho, me enfiei debaixo das cobertas e dormi. Alguma meditação nova?
– Não, mas veja lá! Não sei se é verdade, podia experimentar, é bem fácil de fazer.
– O que é?
– Veja lá! Essa mulher sempre me manda coisas interessantes.
– Então, me conta logo, pra eu não mexer no celular e falar ao mesmo tempo.
– Estão tendo sucesso, aí, no tratamento com boldo e limão.
– Tratando do quê? Do fígado? Do estômago? Da garganta?
– Não, do “coronavides”!
Telefone caiu da mão.
– Alô, alô, alô… Tá me ouvindo?
– Não estou acreditando!
– Mas a mulher garante que dá resultado mesmo!
– Não estou acreditando que passa pela sua cabeça alguma dúvida com relação a essa merda.
– Não fala assim, parece aquela reunião de mal educados na TV!
– Mas pensa, criatura! Dedica só dois segundos a mais antes de disparar essa (#$%¨&*%¨$#@) fucking porcaria de mensagem para as pessoas e você mesma vai concluir que é mentira. É fake news! É crime, sabia?
– Capaz! A mulher é da igreja!
– Ai, meu São Sinfrônio das Pernas Tortas! Você acha mesmo que os cientistas no mundo todo não conseguem descobrir antes de um ano ou dois, mas a mulher da igreja é quem sabe de tudo e tem o tal remédio?
– Ela disse que os laboratórios só querem ganhar dinheiro…
– Tá. E vão deixar morrer milhões de pessoas que poderiam comprar a vacina, o antídoto, se já tivessem descoberto? Boldo com limão?! WTF?
– Não sei o que você disse aí, mas pareceu de novo aquele povo da reunião na TV.
– Olha, você está me estranhando, a gente vai acabar se desentendendo feio! Passa pra mim o contato dessa “abençoada”, que vou denunciar!
– Ah, não, a coitada é conhecida minha, vive rezando, não faz por mal.
– Pois que reze mesmo, mas reze muito pra ser agraciada com uns neurônios a mais. Está precisando! E manda rezar certinho, porque, até então, não está funcionando.
– Não dá pra contar nada pra você. Ave, Maria! A gente tenta ajudar…
– Faz um favor bem grande pra mim?
– Diga, que vou pensar no seu caso.
– Cada mensagem dessas que receber, vai anotando quem mandou. À medida em que as pessoas da sua lista de contatos enviarem ou repassarem duas, três mensagens dessas, você vai e deleta elas, bloqueia, faz qualquer coisa em nome da sanidade mental da nação. Essa “gente” é prejudicial à saúde. Combinado?
– Credo! Isso, sim, é intolerância.
– Não distorce, não. É sério! O certo seria denunciar de cara. Mas, olha, se estiver disposta a gastar energia nisso, busca sempre naquelas páginas que desmentem as principais fake news em circulação e começa a rebater a pessoa no grupo. Daí, já ajuda a informar as outras que leram.
– Mas eu perco uma amiga e ganho uma inimiga.
– Quem precisa de amizades assim?
– Não está fácil conversar com você hoje. Quer que eu traga um calmante da farmácia e deixe aí?
– Sempre se automedicando, aff! Vai sair, é?
– Vou. Quero ver se tem o chá de boldo lá.
– Pelamorrrr… Não vai comprar cloroquina também? O fake/Dr./general/ministro interino da Saúde andou liberando…
– É melhor que o boldo com limão?
– Desisto, viu! Não tem pandemia que me faça positivar “çaporra”.
– Você está insuportável. Vou trazer uma maracujina e também sabão líquido pra tratar dessa sua boca suja.
– Tu-tu-tu…