7:35A outra face do coronavírus

por Célio Heitor Guimarães 

Eu estava tendo uns pensamentos estranhos a propósito do coronavírus quando me deparei com o escrito pelo notável Ruy Castro, reproduzido aqui mesmo neste espaço do nosso Zé Beto:

“Em meio às estatísticas macabras do coronavírus, leem-se notícias que fazem pensar. Pela primeira vez em séculos, os golfinhos voltaram aos canais de Veneza. Alguém fotografou pavões nas ruas desertas de Madri. Os gatos de Roma passeiam fagueiros pela Via Veneto. Numa Nova York em silêncio, ouvem-se rouxinóis na Quinta Avenida. E, no Rio, veem-se raias no Arpoador e gaivotas explorando as areias do Leblon”.

E continuou o grande Ruy: “Com a quebra do consumo, a produção de lixo plástico diminuiu, para alívio dos rios e mares que o recebem, com o que os peixes, aves e tartarugas ganharam uma chance. Com fábricas inativas e chaminés apagadas, a qualidade do ar também melhorou, inclusive para quem o empesteia”.

Mais: “O que estamos aprendendo hoje é que, com ou sem a Covid-19, o mundo não acabará, mesmo porque o coronavírus, por mais recém-chegado, faz parte dele. Quem pode acabar um dia é o homem, e, se isso acontecer, o planeta seguirá em frente, com um quorum mais do que suficiente de espécies para continuar vivo e pulsante”.

O meu raciocínio era um pouco diferente, mas seguia na mesma direção. Amizade, amor, solidariedade, fraternidade, união, ajuda, gratidão, confiança, compaixão, carinho e preocupação com o semelhante. Há quanto tempo não se exercia abertamente esses sentimentos, tão importantes para a humanidade? De repente, passamos a nos interessar pelo vizinho, pelo transeunte anônimo e até por eventuais desafetos. Um “bom dia”, uma “boa tarde” ou uma “boa noite” passaram a ganhar significado.

As pessoas nivelaram-se na desgraça. Não há mais ricos e pobres, homens e mulheres, gordos e magros, pretos e brancos, baixos e altos, héteros e homos. Só seres humanos, irmanados na tragédia. O milionário, repleto de ações na bolsa, ficou igual ao maltrapilho que vive sobre palafitas. Ainda pode haver diferença de conforto, mas é efêmera e o fim será o mesmo. Com uma vantagem para os desvalidos: nunca tiveram nada, terão muito pouco a perder, materialmente falando. Já os abonados, acostumados a privilégios, a serem atendidos e cortejados…

Havia um dito na minha infância, repetido por tias e avós: “Há males que vêm para bem”. Não chegarei ao exagero de dizer que o Covid 19 é bem-vindo e chegou carregado de bondades. Mas não custa observar a situação sob outro ângulo.

O mundo atual vivia época extrema de violência, miséria, fome, hostilidade, guerra, cobiça, superpopulação, incompreensão, tristeza, impaciência, ganância, egoísmo, ciúme, ódio, essas desgraças que nos enchiam de medo, sofrimento, desesperança e depressão. Parecia não haver solução. Que Deus, se existisse, havia esquecido de nós – profundamente decepcionado com o que criara. De repente… Os crentes não dizem que Ele sabe o que faz?

Disse e repito: o coronavírus vai passar. Quem sobreviver, verá que nunca mais será como antes. Se voltar a ser, será porque o ser humano não tem mesmo salvação e merece ser extinto, para que o planeta, livre do seu principal predador, possa seguir o seu caminho para todo o sempre.

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4 ideias sobre “A outra face do coronavírus

  1. SERGIO SILVESTRE

    No meu segundo dia de quarentena a um mês atras escrevi mais ao menos isso,não com esse esmero essa pratica,mas disse que estamos dando um descanso ao planeta tão judiado pelo homem,e que se não nos tornamos seres melhores depois da pandemia,melhor seria ela acabar de vez com tudo.

  2. marcio

    O que muda a sociedade humana é a tecnologia, no mais , permanecemos iguais ao que era anteriormente.

  3. jose maria

    Mestre Célio muito inspirado no isolamento e com a técnica de escrita perfeita que só os anos concedem aos exímios jornalistas
    Saúde , como diz sempre o Zé Beto

  4. Zangado

    Essa costela do Adão primevo tem algo sinistro ou até pode ser misterioso, mas que tem, tem.

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