7:00Cartas do Bunker 3: escolha viver!

por Thea Tavares

“Eu quero sair,
eu quero falar,
eu quero ensinar o vizinho a cantar”.

(Manhãs de Setembro – Mário Campanha/Vanusa)

Rômulo é uma daquelas amizades que a vida coloca por acaso no caminho da gente e que a gente nem precisa se ver ou se falar seguidamente para saber que a afeição continua no mesmo lugar. Dribla todas as diferenças geracionais e de opinião, mas o carinho e a admiração atravessam os anos intactos. Eu lembro em algum aspecto um pouco a mãe dele e saber disso logo de cara, pra uma canceriana convicta, que deposita um peso dramático em tudo o que faz, superprotege de maneira sufocante os seus em tempo integral, estabeleceu desde sempre uma responsabilidade extra no zelo com essa amizade.

– Menino, como é que tu tá? Perguntei, depois de um tempo sem a gente se falar pelos atropelos dos “corres” cotidianos e queria saber como ele estava atravessando esse momento. Depois dos cumprimentos convencionais, ele demonstrou estar muito angustiado de ficar em casa ao final de mais de duas longas e arrastadas semanas. Para um rapaz baladeiro, que gosta de sair, de encontrar os amigos, de paquerar, está sendo uma tortura!

Preocupam-me muito os reflexos desse contexto negacionista em que estamos mergulhados, da falta de seriedade no comando da nação, que transmite mensagens erradas, confusas e criminosas até à população – Rômulo fica muito exposto a essas informações no contexto em que vive -, e pelo fato da doença causada pelo coronavírus ser um mal invisível, que não tem manifestação imediata, diante do incômodo concreto das privações enfrentadas, e isso faz com que as pessoas desacreditem da gravidade do problema e comecem a relaxar, baixar a guarda, expondo-se ainda mais ao contágio e aos perigos na esteira dele. Uma dose cavalar de paciência é o que todos precisariam ter agora.

Se está difícil achar álcool, que se fabrica e se vende por aí com exagero de sobrepreços, quem dirá arrumar paciência extra! Por que é justamente aí que o perigo tende a aumentar, alertam os especialistas. Foi por isso que me senti na obrigação de escrever para o Rômulo não uma simples resposta, mas um desabafo e um pouco da minha leitura desse momento na forma dessa carta do bunker. Senti todo o peso da angústia do rapaz, que sempre me passou a imagem de quem festeja a vida nas pequenas coisas, mas que agora demonstrava estar achando insuportável o confinamento, a ponto de se colocar em risco, quando ele me dirigiu a seguinte pergunta: será que vai demorar muito pra passar?

Vou reproduzir aqui mais ou menos o que falei pra ele, aplicando uma autocensura sobre as palavras mais fortes que usei, mas que expressam com muita sinceridade e indignação o sentimento nessa resposta:

“Abril inteiro deverá ser o pior cenário, tipo a Itália, só que num crescente. Acredito, pelas projeções que leio e pelas poucas informações que os próprios técnicos têm disponíveis sobre o que se deu antes, que até meados pro final de maio, a coisa comece a estabilizar. A grande merda está nesse presidente moleque (no original, a adjetivação era outra), passando mensagem confusa e até mesmo criminosa para as pessoas, para os comerciantes, mandando todos saírem às ruas e retornarem com as atividades normais. De novo, sempre a julgar pelo que aconteceu lá fora, está mais do que claro que esse tipo de postura é o que pode gerar o colapso do sistema de saúde (faltar leitos em hospitais e equipamentos nas redes pública e privada de atendimento). Está mais do que dito, explicado e advertido pelos técnicos da área essa situação, uma vez que ela decorre de ter muita gente necessitando de tratamento ao mesmo tempo.

Quem, entre as nações do mundo, está numa situação mais controlada hoje, está assim porque adotou duas medidas básicas: restringiu a circulação com voz firme, mandando as pessoas ficarem em casa, se cuidando, e testou o maior número possível de habitantes. Senão toda a população, mas um número muito grande (suspeitos ou não, sintomáticos ou não) e conseguiu ser resiliente nessa hora a partir dessa leitura. Apesar das perdas e do problema, agiu para minimizar o sofrimento já grande da população. Isso sem contar o aporte financeiro necessário para bancar o isolamento social. Aqui, a cada expectativa de que isso se materialize, a gente se sobressalta, na verdade, com medidas que embutem perdas e mais prejuízos que só prometem aprofundar o buraco em que vamos caindo.

O vírus é uma novidade? É. Estamos trocando o pneu com o carro andando, já disseram, mas há ações firmes de governo que são conhecidas e que se mostraram eficazes pelo exemplo de quem passou por isso antes de nós. A gente escolhe se quer fazer como a Coreia fez ou se quer errar como a Itália errou e está pagando um preço muito caro. Ou escolhemos ainda ser o pior de todos os cenários, mentindo pra população, fazendo palhaçadas e subestimando a doença.  Vindo de quem sempre pregou ódio e violência, seria de se esperar o quê?

Meu amigo, siga o que as autoridades em saúde do mundo inteiro estão falando: fique em casa! Para não pegar agora, no pior cenário, para não transmitir a quem seja menos resistente que você e pra não aumentar o problema como um todo. Aproveita para descobrir em você forças e potencialidades para ser melhor, mais humano e mais criativo. Essa é a dimensão da coisa. Estamos vivendo uma crise humanitária, de proporções globais, gigantescas. E estamos por nossa conta e risco. Todo sofrimento é uma hora da verdade: cada um vai expressar o que realmente é e o que pode vir a ser. Vamos sair dessa melhores, eu confio nisso. Machucados, mas fortes. Até lá, se cuida bem fisicamente, mas também da cabeça. Se proteja, peça ajuda. As pessoas estão isoladas, mas nunca estiveram tão ligadas e abertas a perdoar, a manifestar o amor, a serem solidárias. Tudo ficou menor diante dessa doença. Apesar das adversidades, você precisa olhar para dentro e pensar positivo, que isso lhe servirá de escudo emocional. O melhor de você nunca esteve lá fora mesmo, né? Está dentro. É quem você é. Se cuida bem, por você e pela humanidade”.

Tudo o que disse ao Rômulo pode ser questionado, alguns podem dizer que estou chovendo no molhado, que não passa de achômetro para uma coisa da qual nem mesmo os cientistas sabem lidar ao certo. Estão observando seu comportamento e aprendendo na reação prática. Mas as palavras cumpriram seu papel tranquilizador naquele momento. Só peço encarecidamente ao leitor que extraia e guarde daqui uma única mensagem: escolha viver e escolha se amar! Se cuide em excesso! Neste momento, isso significa não sair de casa. Mantenha-se, por favor, dentro da casinha, em todos os sentidos.

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6 ideias sobre “Cartas do Bunker 3: escolha viver!

  1. Penacova

    A natureza nos mostra o quanto devemos ser humilde diante das adversidades.
    Os países considerados grandes potências estão impotentes, usam tecnologias de última geração, quando um remédio parasitário, ivermectina tem ação contra o alastramento.
    A maioria dos países sérios foram para os laboratórios buscar solução eficaz para o bem da humanidade, os políticos brasileiro, correm para os cofres, quebram barreiras de responsabilidade fiscais, no argumento de conter o mal.
    Este mal veio a calhar, estados endividados, folha comprometida. O vírus é a salvação, pois, o medo escurece as vistas e tudo pode, quando no fundo um simples vermífugo de 9,00 reais faria o serviço.

  2. Simone Belquis Barbosa

    Como sempre uma refelxão digna de ser ouvida (no caso lida). É interessante perceber nesse momento, como uma boa parte das pessoas está perdida. E perdida está porque sempre buscou as respostas fora e agora não sabe se voltar para dentro.

  3. Ticiana Vasconcelos Silva

    Querida Thea Tavares.
    Peço licença para adicionar um adjetivo carinhoso e de estima a seu nome. Porém, sempre verdadeiro.
    Falo assim, pois recebi um grande presente com seu comentário em meu texto. E venho agradecê-lo.
    E venho também agradecer um texto tão esclarecedor, tão humano e tão simples e gostoso de ser lido, capaz de trazer para a realidade os que ainda se mantêm céticos, sem esperança ou sem o devido cuidado com algo tão ameaçador. E, por outro lado, nos dá a devida dimensão de nossa responsabildade sobre nossa vida e sobre a dos outros.
    Cada um fará deste momento algo que pode nos levar ao encontro da sublime oportunidade de olhar para a vida como o centro do que nós achávamos ter -se perdido para outras “importâncias”. Que saibamos utilizar com sabedoria esse período para amar, cuidar e sermos mais gentis com nossas dificuldades. Elas passarão. Mas a vida não pode passar.

  4. Thea M Tavares

    Nossa, Ticiana! Fiquei muito contente com seu comentário, adoro ler você no blog. Só reforça em mim a certeza de que além de uma pessoa com uma sensibilidade incrível e um texto impecável de bonito, você também é muito sábia e precisa na escolha das palavras e na linha de raciocínio. Obrigada de coração. Vamos precisar dele para reconstruir as relações e a sociedade depois disso tudo. Não tenho dúvidas de que vamos chorar perdas nesse processo, mas o isolamento está nos impulsionando a olhar para dentro e fazer desse conteúdo humano a matéria-prima da reconstrução. Fique bem e #FiqueEmCasa.

  5. Thea M Tavares

    Grande, Simone! Que bom que você gostou. O isolamento força uma coisa que a gente esquecia de fazer, né? Olhar para dentro. Por isso o distanciamento de valores, que agora a vida nos cobra, apresenta a fatura. Mas vamos passar por isso. Como disse a Ticiana no seu comentário aqui, a vida é que não pode passar.

  6. Thea M Tavares

    Penacova, os políticos brasileiros como você diz generalizando (já que o que prevalece é a opinião da maioria, gostemos ou não, é do jogo democrático) e os governantes em especial choram para aprovar um subsídio ao povo pobre que precisa comer, pagar as continhas, sobreviver, mas socorrem bancos e grandes corporações com uma agilidade e naturalidade incríveis. O pobre, que vai gastar esse dinheirinho no mercadinho, na bodega, na farmácia ou vai com a ajuda plantar para subsistência, quebra a economia. O banqueiro, que vai levar quase um PIB inteiro de vantagens, não. Juro que não entendo essa matemática mesmo!

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