6:30Histórias de quem gosta de conversar

por Thea Tavares

Todas as vezes que viajo para o interior, trago a sensação de que o relógio marca o tempo de um jeito diferente por lá. A correria do trampo acaba sendo a mesma, ou fica até pior, visto que não se conta com a estrutura habitual, aquela que faz tudo funcionar engrenado, mas a gente meio que se obriga a dedicar um pouco mais de atenção às coisas simples e corriqueiras. Pode-se olhar nos olhos das pessoas enquanto conversa, sem que isso seja confundido com segundas, terceiras e quartas intenções. Pode-se ter curiosidade para observar a movimentação delas, permitir-se um bocadinho de prosa a mais, se convidar para uma roda de chimarrão, ouvir e contar histórias. Incrível como essas coisas cabem todinhas na velocidade do dia vivido no interior!

Fazemos amizades novas com mais facilidade e quando reencontramos os amigos velhos de guerra, então, a conversa flui e é possível atualizar anos de ausência, colocar em dia uma prosa suspensa por décadas! Também resgatar e enumerar de cabeça fatos e pessoas que você não sabia que ainda preservava intactos na memória. De repente, acionamos aquela enxurrada de pensamentos e de lembranças que dão sentido à construção das nossas trajetórias de vida.

Sei que esse papo meu já está qualquer coisa parecida com ladainha de velha, que tem seus hormônios e emoções todos bagunçados, mas a verdade é que o saudosismo me acompanha há muito tempo. Desde sempre. É meio que uma marca registrada de quem já nasceu com saudades. Cada minuto vivido vai compondo um baú de sentimentos armazenados e de aprendizados que ensinam e inspiram a no futuro encontrarmos respostas instintivas e espontâneas para as mais diversas situações. Esse acúmulo só se consegue com muita observação ao longo dos anos, deixando um legado de maturidade para perceber os fatos e se posicionar com sabedoria. Se não conseguirmos isso em tempo integral, contamos com as aceitações que prevalecem ainda com mais firmeza. A bem da verdade, o apoio e a tolerância deveriam ser próprio de sermos gente pura e simplesmente e não de estarmos neste ou naquele local do mapa.

Por isso também que a sensação que tenho quando viajo ao interior é que tudo importa mais e cada mínimo detalhe faz tanto sentido, que tudo cabe dentro do nosso dia. O tempo bate diferente, sem dúvida! Parece que escolhe momentos para ligar a câmera lenta e explorar demoradamente cada detalhe para reter. Talvez por isso o desgaste se torne menor e a gente relaxe mais, descarregue aos poucos as tensões. E é deliciosa a necessidade que se tem de conversar, de explorar as histórias e de conhecer mais a fundo as pessoas e as situações. A simbiose entre carência, curiosidade e pertencimento dialoga diretamente com a nossa atenção, que deixa de ser dispersa e se concentra na escolha daquilo que for essencial.

Soa romantizado e é. Só sei dizer que tudo lá tem cheiro, gosto e jeito de literatura juvenil; parece também com letra de música que se ouvia no rádio velho lá de casa, quando espichava bem os ouvidos para memorizar palavras e significados daquelas canções, driblando os ruídos da transmissão, e escrevi num caderno de escola para não esquecer e compartilhar com as amigas. O tempo estaciona sobre momentos assim para que se possa eternizá-los. Quem gosta de conversar vai me entender e se identificar com essa saudade e valorização. Mas também tem sempre aquele urbanoide sincericida, que vai ler até o final e dar uma de Drummond, exclamando: – Eta vida besta! E segue o baile.

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