8:49Vinho Canônico ou Chatêauneuf- du-Pape?

por Reinaldo Paes Barreto

Dia 12 de outubro, como em todos os anos, o Brasil inteiro mas, e sobretudo o sudeste,  celebra N. Sra. da Aparecida, nossa padroeira desde 1980 – tanto que é a única imagem de santa com o bordado da bandeira nacional nas vestes.

Em sua homenagem, muitas missas serão rezadas em todo o país, a mais solene delas na sua Basílica, em São Paulo. E haverá a consagração do pão e do vinho, o corpo e o sangue de Jesus, com o cardeal celebrante de frente para o público. E, na sequência, ele comunga e bebe o vinho/sangue de Cristo.

Mas que vinho é esse que ele bebe? É um “vinho de missa”, ou vinho canônico. E qual a diferença para um vinho normal?

Bom, o vinho (seja o Canônico, seja o normal)  é preparado a partir da fermentação do mosto da uva. Para produzir esta substância é necessário, primeiramente, separar as uvas dos cachos e depois esmagá-las, amassando toda a polpa até conseguir um líquido viscoso.  Esse mosto vai para os tonéis (lagares) e, rapidamente e pelo contato com o oxigênio, as leveduras existentes nos bagos se transformam em álcool etílico e temos, então,  o vinho de uva (pode-se fazer vinho de caju, de maça, etc).

Já o chamado vinho de missa, em geral tinto — mas não necessariamente(*) como veremos a seguir — leva um acréscimo de açúcar e de aguardante de cana, ou de uva, para cortar a fermentação (o vinho deixa de envelhecer), o que o torna mais licoroso, mais alcoólico (entre 18% e 22% GL) e mais longevo: o açúcar conserva, haja vista os chamados “ vinhos fortificados” —  Porto, Madeira, Xerez — que cravam 100 anos com os pés nas costas!

(*) Já de alguns 20 anos para cá, o Vaticano autorizou que se possa celebrar a missa com vinho branco, porque as freirinhas não aguentavam mais lavar aquelas toalhinhas imaculadamente brancas com manchas “de sangue”! Mas precisa de autorização, me parece.

Mas por que “a lógica da Igreja” quer um vinho mais doce e mais alcoólico? Porque, como dissemos, ele precisa durar mais e resistir às precárias condições em que em geral é guardado: em velhas cômodas junto com velas, incenso e mirra, batinas, etc. E é mais barato, porque vem em garrafões de dois e até cinco litros.

No Brasil, três empresas gaúchas abastecem esse mercado: Salton, Aliança e Chesini. Mas a maior fornecedora é a Salton, que há mais de 60 anos fabrica o Vinho Canônico.

 É um vinho elaborado em Bento Gonçalves, RGS, a partir de um corte de uvas Moscato (50%), Saint Emilion (40%) e Isabel (10%). Trata-se de um rosado licoroso doce, com graduação alcoólica de 15º GL, comercializado em garrafas de 750ml, a menos de R$ 15,00 a unidade — no varejo da empresa.

A maior procura é para fins religiosos, mas há consumidores que buscam o vinho para beber com a sobremesa ou mesmo como aperitivo, provavelmente por conta do preço.

Já o vinho de missa Aliança, licenciado desde meados da década de 1970, apresenta como diferencial o fato de ser um branco licoroso doce. Ele é elaborado com vinho-base de uvas Moscato, ao qual é adicionado, como dissemos acima,  álcool vínico e açúcar.
Com 17,6º GL, o produto é vendido em garrafões de dois litros, por preço similar no varejo da Cooperativa Aliança – único local em que é encontrado –- em Caxias do Sul.
É um produto feito mais para atender às paróquias pequenas.

Por último, temos a Adega Chesini, de Farroupilha, que fez uma inovação em 2006: passou a oferecer o ‘vinho de missa’ em embalagens bag-in-box de cinco litros.

E deu certo: hoje o produto chega a mais de 20 Estados, sendo 95% do público consumidor formado por igrejas e o restante por apreciadores de vinho doce a baixo custo.

Agora o epílogo (epa!): pergunto, você já provou?  Eu já. (E estou falando do não-bento, naturalmente, porque estou descrevendo o produto vinícola e não a transcendência que ele adquire após ser bento).

Mas o vinho canônico em si é muito ruinzinho. Por isso, e à exceção do sacerdote/celebrante e dos católicos que em algumas circunstâncias são chamados e bebê-lo, depois de receberem a hóstia,  é melhor vê-lo de longe, no alto, no altar, na liturgia da consagração.

*Publicado no Diário de Petrópolis

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