8:55AQUI

por Nilson Monteiro

Soprando a falência da cor. O sopro é gelado. Todos sopram, com as mãos nos bolsos e gorros atolados nas cabeças.

Todos sopram, enfiados em lãs ou nylons chineses.

Aprendi a amar este cinza, suas dores, as cores que nele passeiam, elegantes mesmo que comuns. Ou se escondem, incolores.

Tenho em mim cicatrizes do mundo, onde nasci, onde cresci, onde conheci, onde fiz isso, onde fiz aquilo, onde deixei de fazer, acho que este ferro de marcar gado é coisa de velho, forçoso na alma, porém latente.

Mas amo este cinza sofisticado – plúmbeo. Ou popular – cinzento. Dá no mesmo.

Sou carente de suas paixões, suas gentes, prédios velhos, pombas esfaimadas, pipoca com bacon, bares engordurados, histórias verdadeiras ou inventadas, morcegos nos sótãos, copos manchados de cachaça com mentruz ou broa com carne viva, um cachecol de qualquer cor – sufocante.

Rafael Dely a amava assim. Como amava Catherine Deneuve e Liza Minelli, seus sonhos. E, de pronto, punha-se a assoviar a infalível “New York, New York”, entre tragadas fundas. Não o contrariassem, por favor. Curitiba era linda assim. Era sua. Ficava irritado quando o sol balançava a cabeleira por essas bandas. A cidade não teria graça. Não tinha graça. Não tem graça.

É preciso atravessá-la assim, a pisar e sentir as profanas pedras do Largo da Ordem, desordenadas.

A cor da cidade é a cor das pessoas, em enxames, feito insetos perdidos, na Rui Barbosa, praça que enterrou os clarins e ancora os ônibus de todos os cardeais, a despejar e recolher friorentos. Em outras praças, também esfregam e assopram as mãos.

Também amo esta senhora assim, com seu frio úmido e secular que vem em bafos, do frio que escorrega entre as pernas da Serra do Mar e sobe aos céus.

É necessário atravessá-la viva, friorenta, queixos em batuque, de barracos costurados em suas bordas. E olhar seus olhos nas paredes de Poty, versos de Helena, bigodes de Leminski, Niemeyer também me pisca.

Os ossos da minha avó gemem sob sua terra. Dona Zica, que me suportou, durante anos, sentado em engradados de cerveja, agora frita bolinhos para anjos embriagados. O céu não tem clima, aqui a conversa é outra. Aqui, o frigir do filé do Palácio e do cheiro do Bife Sujo me contam onde estou.

Dely me vê, a caminhar, pensativo, na manhã de cinza gelado, e sapeca: “Quem quer sol e calor, vá pra Bahia”.

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