20:19ZÉ DA SILVA

Proclamei a independência no dia em que descobri a verdadeira pobreza brasileira. Nos confins do país, cidade grande deixada pra trás, em outro planeta, outra dimensão, fui ver o tio-avô materno mais rico da família. Na porta da casa de barro, quase caindo aos pedaços, ele posou ao lado da mulher para uma foto de recordação. O pijama roto era a roupa que nunca trocava. A mulher, ao lado, era o sorriso da vida inteira de subserviência. Os dois, sem dentes, sem dentadura. A calça dele estava toda mijada. Tinha terra que não acabava mais. Muitas, muitas cabeças de gado. Nunca foi a um médico, apesar de estar a cinco quilômetros da cidade. O que o sustentava era o prazer de ter. Gastou a vida assim, sem gastar. Morreu e os filhos detonaram tudo o mais rapidamente possível. Pensei nisso olhando os pés de galinha que vi dentro da geladeira numa casa pouco distante dali. A dona amava degustá-los. Todo o dinheiro da pensão de viúva era principalmente para alimentar os moradores do seu pedaço de terra. Além da filha e neto, criou alguns desgarrados na vida. Viúva, não tinha medo de nada, Mesmo assim, mantinha à mão um 38 entupido de balas. Certa vez, numa madrugada, alguém enteou entrar na casa. Ela descarregou o revolver na porta, que teve de trocar no dia seguinte. A lua naquele pedaço do mundo é a mesma que passa despercebida na maior parte do país. Quando está cheia, ilumina tudo. Numa noite, caminhei ali perto ao lado do trilho onde de vez em quando um trem desliza. Sem querer, hoje penso, o rumo interno estava se definindo. Eu tinha nove anos na primeira visita aos meus parentes nordestinos.

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Uma ideia sobre “ZÉ DA SILVA

  1. SERGIO SILVESTRE

    Quando você vê no palanque da parada do 7 de Setembro figuras grotescas como o quase cadaver Silvio Santos é por que circo e cassino ainda é mais atraente para governos do que o calceiro e camiseiro que luta para pagar suas contas.Esse jamais sobe no palanque.

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