18:40O urubu

de Carlos Marighella

Pairando pelo espaço onde quer que pressinta
carniça, podridão, matéria decomposta
essa ave original de cor preta retinta
o cheiro da imundice alegremente arrosta.

Vem descendo depois. Já não é uma pinta
escura na amplidão do firmamento exposta.
Vem descendo inda mais, cada vez mais distinta,
até que no terreno o corpo feio encosta.

Desde então principia a ceia horripilante
e belisca a esterqueira e grunhe a cada instante,
sacudindo-se toda, inquieta e assustadiça

Assim como o urubu há no alto muita gente
poderosa a fartar que, entanto, moralmente
só consegue viver à custa de carniça

*Poema escrito em 1939 no Presídio Especial de São Paulo

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