16:52Miopia ou dissimulação?

Do Analista dos Planaltos

Só pode ser uma coisa ou outra. Não há como tirar outra conclusão da “entrevista exclusiva” que o procurador Deltan Dallagnol concedeu ao site da Gazeta do Povo. Começa com um absurdo: Dallagnol diz que as revelações de mensagens incestuosas entre ele, outros procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro fazem parte de uma certa agenda de “enfraquecimento do combate à corrupção”. E segue afirmando que o projeto de lei de abuso de autoridade tem o mesmo objetivo. Como se a obrigação de cumprir a lei fosse um detalhe, reservado apenas aos inimigos dos procuradores. Como se houvesse uma casta de inimputáveis, a quem tudo é permitido. Como se os fins justificassem os meios.

Felizmente, Dallagnol e cia não são mais donos da verdade. Como escreveu hoje Demétrio Magnoli, na Folha de S. Paulo, “a Vaza Jato ilumina a inversão promovida pelo Partido dos Procuradores: no Estado de Direito, evidências de crimes conduzem a indivíduos suspeitos; no Estado policial, suspeitos previamente selecionados conduzem à produção das evidências”.

O “iluminado” Dallagnol adora aparecer. Além das “palestras filantrópicas” que rechearam o seu butim, mete-se agora a dar lição ao país. “Se a sociedade brasileira quer mudança, ela tem que parar de se colocar nas cordas e esperar que a Lava Jato faça o trabalho por ela”, ensina sem nenhuma modéstia o procurador. Ora, a sociedade que lhe paga por “palestras filantrópicas” é a mesma que lhe paga o generoso salário de procurador da República. O que a sociedade espera é que ele faça o seu trabalho, com respeito à lei e à ética. Coisa que, pelo jeito, ele anda distante.

Na ótica do procurador, decisões recentes do STF são equivocadas, o presidente Jair Bolsonaro segue no caminho errado e a Lava Jato está no banco dos réus não pelos excessos que cometeu, mas pela reação dos corruptos. No fundo, Dallagnol está mesmo preocupado é com o processo a que responde no Conselho Nacional do Ministério Público, admitindo já que a punição será inevitável.

Não é de hoje que Dallagnol enxerga apenas uma face da sua moeda. A entrevista à Gazeta tem tudo a ver. O site também tem se colocado na linha de defesa intransigente da Lava Jato (o que é razoável), mesmo diante das revelações de desvios de conduta (o que é condenável). Dispensável é ver que o procurador continua não reconhecendo a “autenticidade” das conversas reveladas pela Vaza Jato. Será que ele reconhece ao menos a contabilidade das “palestras filantrópicas”, mostradas ontem? Até quando, Dallagnol, abusarás de nossa paciência?

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