9:12Gorilas

de Fernando Muniz 

O casal desce do ônibus na rodoferroviária de Curitiba, ampla e aberta, com vigas e pilastras aparentes, de cimento armado. Prédio grande, lotado naquele final de feriado. Ao atravessar a multidão junto aos portões de embarque o casal se separa, por instantes.

Logo em seguida se encontram; a menina está de cara fechada. “Que aconteceu”? Ela não fala nada. “Vamos embora, vamos embora”!

“Mas por quê? O que aconteceu? Me diga”! Ele olha para trás e nota três rapazes, altos, com tatuagens à mostra, rindo. Ele se vira e pergunta de novo: “Me conte! O que aconteceu”?

“Um deles passou a mão em mim”.

Ele para no meio do saguão e olha os três, que conversam sem se importar com a confusão ao redor. Sente um frio na barriga.

“Que foi, mané? Perdeu alguma coisa”? E soltam uma gargalhada, de desprezo por aquele playboy fantasiado de mochileiro, que pegou a grã-fina e levou ela para o mato, atrás de aventuras, enquanto eles, ali, sem precisar de nada disso, vivem um dia após do outro como se fosse o último, pois se derem mancada – e mais cedo ou mais tarde alguma vai acontecer – alguém aparece e acaba com a raça deles. Seja polícia, seja bandido. Ali, naquele saguão, são eles contra todo o mundo.

Ele pensa em procurar os seguranças da rodoferroviária, enfim, tomar alguma providência. Mas o que fazer? Decerto vão rir dele, ali, tão mirrado, mal conseguindo carregar a mochila de viagem. Quem vai se importar com a sua raiva, vergonha e impotência? Cada um que cuide de si e, em especial, da própria mulher.

Começa a dar uma coceira em seus braços; nascem pelos, muitos. Ao passar a língua entre os dentes nota que ficaram afiados, assim como as unhas; ganha altura e volume. Dali a instantes, sem pensar mais em nada, solta um urro e as pessoas se apavoram, largando tudo para trás. O segurança mais próximo só tem tempo de gritar por socorro, antes de desmaiar. Quanto aos três, ficam parados, feito pedras. Não se abalam fácil, mesmo com o que não entendem. Por certo aquilo só pode ser alguma pegadinha de TV.

A fera dá um salto e arranca o coração de um, estraçalha o pescoço do outro e joga o terceiro pela janela do portão de embarque logo em frente; ao cair no chão, um ônibus o esmaga. Tudo em menos de um minuto.

A menina, que acompanhou o massacre atrás de uma pilastra, sai do esconderijo e se põe diante da fera. Não tem medo, mas curiosidade. Procura em seus olhos algum traço humano; sente encontrar, o que a deixa aliviada, convicta de que tudo aquilo aconteceu por causa dela.

Mas o seu amor, transtornado pelo cheiro de sangue e morte, agora é uma fera, nada mais. Sem retorno.

E que avança sobre ela, aos urros.

Em busca de mais.

 

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