17:39O fim da piada

por Manuela Cantuária*, na FSP

Limite do humor é um lugar que eu não sabia nem que existia

Neste exato segundo, a única coisa que passa pela minha cabeça, feito uma bola de feno rolando no deserto, é uma piada mórbida. Uma piada que eu não teria coragem de contar nem para minha sombra. Que faria meus amigos me olharem com outros olhos e minha mãe se perguntar onde foi que ela errou.

Preciso enterrar essa piada de mau gosto em algum lugar remoto, protegê-la de mim mesma (e vice-versa). Busco o lugar onde as piadas doentes —ou decrépitas, que não envelheceram bem— vão para morrer. Levo apenas uma pá.

Chego a uma fronteira inóspita. Urubus encaram minha piada como se ela fosse um brigadeiro de pistache. Cavo uma cova onde essa piada poderá enfim descansar em paz. Entro no buraco e continuo cavando, para garantir que ele seja o mais profundo possível.

Não me atormenta estar dentro de uma cova. Estou morta por dentro, meu senso de humor é a prova disso. Acho que cavei demais. Não consigo mais sair daqui. Minha única reação é rir como quem sofre um ataque de cócegas: desesperadamente. Minha piada é uma tragédia (e vice-versa).

Encaro o sol a pino, até minha sombra me abandonou. Não tenho mais nada a perder. Por isso, divido com vocês a piada. Mas antes, imploro, não me levem a mal.

“A paciente terminal tem direito a um último desejo, que deixa todos curiosos: um pote de creme rinse…”

“Você perdeu a noção?!” —um grito rouco rasga meu raciocínio ao meio. A piada interrompida é como um espirro que me escapa. Pelo menos estou salva. Salva por um jovem franzino, que me estende a mão e se apresenta pelo username do Twitter: @jacagay.

Ah. Finalmente entendo onde vim parar. Longe demais. No Limite do Humor. Eu não sabia nem que esse lugar existia.

Faço um tour em meio a fósseis deixados por humoristas, youtubers, taxistas, usuários do Twitter, comentadores de portais de notícias, aquele tio sem noção, meu primeiro ginecologista, o presidente da República… Difícil mesmo é encontrar alguma graça por aqui.

Sinto saudades da minha cova. Preciso ir embora. E digo mais: vou levar minha piada comigo. Ela não merece tão péssimas companhias. Vamos, tesouro.

O jovem tuiteiro segura meu braço, quer saber o final da piada. Eu só conto se ele também me contar a dele. Cochichamos nosso pior segredo um para o outro. Agora, já não o reconheço mais (e vice-versa).

*Roteirista e escritora, faz parte da equipe do canal Porta dos Fundos

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