7:22É o carro dos sonhos que está passando

por Thea Tavares

Em resposta à crônica sobre o Tinder na semana passada, recebi argumentos e protestos de diversas naturezas, que me forçam a continuar explorando um pouco mais esse assunto. Ainda na tentativa persistente de enxergar serventia nesse tipo de aplicativo. Recebi relatos de muitos bem sucedidos encontros e outras tantas desistências dessa brincadeira de “pega-pega” para adultos (e adúlteros, diga-se de passagem, porque há muitos perfis que se descrevem como sendo “casado, mas, porém, todavia…”).

Fiquei sabendo que o aplicativo não funciona da mesma forma em toda parte do mundo. Vai muito da cultura local. As pessoas expressam por ele também suas vivências, suas carências e seus prazeres mundanos, em meio aos tabus e liberdades possíveis dentro do contexto em que habitam. No fundo, no fundo, todo mundo busca a mesmíssima coisa com menor ou maior dose de cerimônia, maior ou menor carga de sinceridade e de pretensão.

Fucei com exaustiva curiosidade o catálogo de uma amiga, mas dentro do filtro que ela estabeleceu para seus encontros. Como acontece com meu colega gay, constatei nessa “triagem” que por causa de homem a gente não briga, não tem qualquer previsão de treta entre nós por esse motivo. Os gostos e as projeções são mesmo muito distintos. Mas foi interessante garimpar naquele desfile de pretendentes. Tirando as propagandas enganosas, que de cara a gente percebe o quanto de perfumaria existe ali, parecia que estava folheando um dos antigos catálogos da Avon ou da Hermes (pergunte para sua avó do que se trata ou recorra ao Google) em busca de um produto pronto, embalado e com entrega rápida para sua satisfação.

Prateleira de açougue também é uma imagem que combina bastante com a situação. Aí, vai da preferência pelo churrasco: com mais ou menos gordura, com maior ou menor firmeza e elasticidade, certificação de procedência… Informações de rastreabilidade completas para preparar o produto para o consumo ou “abate”. Daqui a pouco, um louco vai querer instalar chip eletrônico para facilitar a triagem animal. Melhor nem dar ideia!

Curisosidades à parte, voltei ao pré-conceito de origem. Não é minha praia. E não se trata de nenhum atestado de ranzinzisse, mania de pessoa velha, mas só autoconhecimento mesmo. Encontrei muita gente que concorda com isso e que prefere dispor do tempo, energia e da paciência empenhados nessa função e direcioná-los para os mecanismos tradicionais e conservadores de flertes e relacionamentos, sejam eles para fins efêmeros ou não.

De outra amiga veio uma dica a ser realmente considerada e que parece tão infalível quanto os planos do Cebolinha do gibi infantil: arruma um cachorro e sai pra passear, é papo garantido! Segundo ela, todo mundo te cumprimenta, mesmo em Curitiba no inverno, troca informação sobre cuidados, olha com curiosidade e até tem aqueles que pedem o telefone do bichinho. Não é clichê, não. Também rola de marcar encontro. Parece que o fato de você demonstrar carinho, cuidado, responsabilidade e atenção com o cãozinho sinaliza para os demais que é uma pessoa que teria bom coração, seria alguém interessante e que isso a qualificaria para lidar com o outro animal, aquele que dá mais trabalho e faz dispender maior esforço físico e emocional. Mas nem pense em arrumar cachorro só para agarrar bofe porque além de ser uma conduta criminosa a posse irresponsável, a empatia só funciona na base da sinceridade. Percebe-se no bichinho se ele é realmente amado e bem cuidado ou não.

Se a alma não é pequena, melhor mesmo é ficar com o cardápio do açougue e decidir se vai levar uma porção para fazer um simples hambúrguer, um fino filé grelhado ou aquele farto e generoso churrasco. Com ou sem acompanhamentos. Olha, aí, freguesia!

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.