13:49Reflexão sobre um livro velho

de Mário Montanha Teixeira Filho 

Está num velho livro do meu pai, sobre a revolução cubana, uma observação que me impressionou. O livro se chama Furacão sobre Cuba, e foi escrito por Paul Sartre, pensador esquerdista e famoso naqueles 1960 que se iniciavam. A queda da ditadura de Fulgêncio Batista, um picareta financiado por gangsteres americanos do jogo e da prostituição, era fato recente. Intelectuais de todas as partes do mundo se encantavam com o romantismo dos guerrilheiros de barbas longas que anunciavam a libertação do seu povo e de outros povos de um planeta rebelde.

O capítulo que chamou minha atenção tratava da reforma agrária. Num dado momento, Sartre atribuiu a um cubano qualquer o seguinte comentário: o gosto pela propriedade não é inscrito de nascença nos cérebros dos homens. Esse pensamento sustentava, com uma lógica avassaladora – ao menos para mim –, as expropriações decretadas pelo governo revolucionário. Pois foi aí, exatamente aí, que meu pai rabiscou um sinal de atenção para o texto. Não escreveu nada no canto da página, como costumava fazer com sua letra miúda. Nem precisava. Sei o que se passou na cabeça dele quando pôs os olhos na frase. Penso nas teses complexas que elaborou para rebater o entusiasmo do seu inimigo ideológico.

Então, inspirado pelo livro antigo, pela tinta que o papel amarelado sugou há tantos anos, travo um debate imaginário com o meu pai morto. Falamos de esperança, amor, fracassos, poder, violência e sangue. Refletimos sobre liberdade, misturamos conceitos e palavras, abusamos da retórica, da paixão, das tendências, do partidarismo, numa querela se estende pela madrugada silenciosa e mansa. Nossos pontos de vista ocupam dois extremos que jamais se encontrarão. Que mundo, afinal, ele pretendia construir? E das minhas utopias, o que restou?

Sem resposta, exaustos mas felizes, despedimo-nos com um beijo carregado de saudade.

 

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2 ideias sobre “Reflexão sobre um livro velho

  1. Célio Heitor Guimarães

    Grande Da Montanha! Um forte abraço. Orgulho-me de ser seu amigo. E, como dizia o já saudoso Bitte (ou Bitta), generosamente a meu respeito, um dia ainda vou escrever como você.

  2. Mário Montanha

    Você é muito gentil comigo, comandante Célio. Reivindico a primazia do orgulho por nossa amizade. Obrigado e grande abraço.

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