18:53ZÉ DA SILVA

Eu me ser custa muito e não sou nem a metade de mim. O muro onde estava pichado a frase parecia com o da frente do cemitério municipal, aquela que o prefeito fez questão de apagar com uma construção modernosa e medonha. Mas quem leu não queria saber de mortos ou mortos-vivos. Ficou parado olhando a frase e imaginando o que se passava na cabeça de quem escreveu. O dono seria uma pessoa alegre ou triste? Conformada? Nunca tinha passado ali e seguiu o muro, coisa singela, antiga, com marcas de reboco caído em alguns pontos. Havia um portão. De ferro, enferrujado. Ele abriu porque imaginou que aquelas letras não foram escritas por alguém de fora. Coisas assim acontecem. Terreno grande, muitas árvores, mato bonito embaixo. Ao fim do caminho de terra, uma casa de madeira pintada de marrom escuro, com portas e janelas brancas. Por algum motivo não teve medo de abrir a porta. Entrou. Conhecia aquele lugar. Não sabia de onde. Ouviu vozes de crianças. Eram as dos seus filhos. Ele chorou. Estava no passado que não teve ou não lembrava mais. Teve certeza de que não era nem metade dele mesmo. Por isso escreveu no muro em algum ponto da sua longa vida.

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