18:07ZÉ DA SILVA

Meu carro não é vermelho e não uso espelho pra me pentear. Fica estacionado na rua como se fosse uma árvore metálica cujas raízes são as quatro rodas com pneus carecas como o dono. Não dei nome a esse. Não sei o motivo. Já tive uma Catarina e um Bala. O segundo morreu num poste – e não me levou porque não era a hora, se é que existe isso. A primeira era a primeira mesmo, uma perua com olhos retangulares, lataria grossa e a marca da sogra, que a vendeu como se fosse caridade. Talvez esteja rodando por aí, mas os carros passam na vida da gente como algumas pessoas. Um deles veio porque o recebi na troca por uma raridade que cuspiu balas na Segunda Grande Guerra. Fusca cujo coração parou um dia. Fundido, por falta de óleo. O dono bebia mais que ele. Olho de novo o carrão da vez. Ele fica lindo à noite, sob a luz do luar. De vez em quando me leva até logo ali –  e ainda demonstra força quando o pedal do acelerador é apertado de com força, como dizem. Já foi até Búzios, na boa. Agora quer descanso. Como o dono, cuja quilometragem se perdeu no tempo.

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