por Zeca Corrêa Leite
Esperei-te no delírio das horas, no instante em que os ventos varrem as imagens das memórias, os cheiros das panelas misturam-se entre salgados e doces, alguma coisa de chuva e terra inventa novo aroma. Esperei-te no veludo do meu esquecimento. Nesse átimo de tempo deixei de pensar em ti. Esqueci de pensar, voltei ao útero, mergulhei em líquidos e aquecimento.
“Para onde foram os sonhos sonhados vida inteira? Alguns permaneceram torturados, desperto-os conforme meu capricho, mas são tão poucos! O que aconteceu com os demais? Delicados sonhos, pesados, pesadelos. Invadiram meu sono entrecortado. E também tive os diurnos de qualquer hora iluminada, quando desenharam-se paisagens dos dias que virão. Para onde foram?”
Tua voz não é passado ou presente, talvez um espelho a refletir o nada em que se transformou o tempo. Faz-me perguntas na certeza que não terei palavras para responder. Meu silêncio é um edifício de pensamentos.
Havia um poema nas linhas de minhas mãos, apagou-se aos poucos. Surgiu igual a voo sem destino: que nuvem perseguir? Preferi mudar meu olhar – amanhã não é um novo dia, com todos os dias embutidos. Amanhã é o imponderável, a maravilha que será desnudada, como se desnuda hoje a sucessão dos mistérios santificados. A ternura desfia-se em luz. A cada manhã um nascimento de magias únicas, por mais que enganosamente nos iludamos acreditando ser a repetição da mesma história (uma mesma história), não há esse fenômeno repetitivo. O sorriso é outro, a lágrima é outra, a saudade cobre-se de uma tonalidade que não conhecia. Caixas de espanto abrem-se e fecham-se até o extinguir da vida. Quando a vida se extingue? As caixas de espantos não sabiam.
Divaguei esperando-te, mal vi o delírio das horas, o instante dos sonos, o nascimento dos sonhos, a pausa dos rios, a face pálida das notícias que ainda não aconteceram, a indecisão das nuvens nas encruzilhadas do céu.
Acho que te perdi: um poema azul acaba de instalar-se em meu coração.