10:26O que alimenta o STF

por Claudio Henrique de Castro

No dia 08 de março de 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou edital de licitação sobre a contratação de alimentos no valor estimado máximo de R$1.134.893,32(um milhão, cento e trinta e quatro mil, oitocentos e noventa e três reais e trinta e dois centavos).

Ao final deste artigo o leitor poderá conferir os alimentos que serão adquiridos pelo STF, dentre eles destacam-se: lagosta, bacalhau à Gomes Sá, presunto de parma e vinhos com no mínimo quatro premiações internacionais: Merlot, Chardonnay, Sauvignoin Blanc.

Este edital é legal e constitucional?

Alguns podem afirmar que se o ato é do Supremo Tribunal Federal sem dúvida o edital é constitucional. Entendemos, contudo, que o edital é inconstitucional, com todo o respeito àquele órgão máximo do poder judiciário brasileiro. Com efeito, não é da finalidade específica do poder a realização de tais despesas públicas e sim do Ministério das Relações Exteriores, mediante regulamentação específica.

Senão vejamos.

Decidiu o Tribunal de Contas da União quanto a este tipo de despesa:

“Acórdão n2 473/2009-Plenário, TC 013.456/2005-6, rel. Min. Raimundo Carreiro, 18/03/2009. SUMARIO (…) 3. É irregular a realização de despesas não vinculadas à atividade fim do órgão/entidade com solenidades, festividades, eventos comemorativos e quaisquer congêneres, e a consequente impossibilidade de se realizar despesas desta natureza à conta dos cofres públicos em virtude da falta de amparo legal. (…)”

Repetimos: é da atividade fim do Ministério das Relações Exteriores recepcionar autoridades internacionais, mesmo que de outros poderes judiciários estrangeiros e não do STF.

O TCE de Santa Catarina admite a despesa com “coffee break” de forma restritiva e limitada:

“TCE SC Prejulgado n2 1663/2005

É admissivel a realização de despesas com fornecimento de refeições e “coffee break” para funcionários em eventos e seminários 8 de capacitação para a consecução dos objetivos societários da empresa, atendidos o interesse público, os princípios a que está sujeita a Administração Pública e a legislação aplicável à prestação de contas das despesas, e ao seguinte: a) restringir as despesas aos casos estritamente necessários; b) observância das diretrizes da Lei Federal n2 8.666/93 para a contratação de fornecimentos e serviços.” (…)

“TCE SC Prejulgado n9 2012/2009

1. Despesas com o fornecimento de “coffee break” somente devem ser realizadas para atender a eventos especiais, de ocorrência esporádica, e quando estritamente necessário, observadas as normas da Lei (federal) n. 8.666/93, os princípios da moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade, razoabilidade, economicidade, dentre outros, bem como a existência de dotação orçamentária e disponibilidade financeira. 2. Em regra, a realização de reuniões, audiências ou sessões, cuja ocorrência seja permanente e rotineira, não legitima o fornecimento de lanches ou “coffee break”, uma vez que os agentes públicos envolvidos são remunerados, pelo exercício do cargo ou função, e/ou indenizados mediante rubrica própria, tal como diárias.”

No âmbito da União, que é o ente federativo maior que recebe comitivas estrangeiras, há o dever de parcimônia e comedimento, segundo o TCU, sendo que a regra é a vedação da conduta: 

“Acórdão n2 2155/12-Plenário, TC 006.172/2012-1, rel. Min. Raimundo Carreiro, 15/08/2012 VOTO 55. Esta Corte de Contas tem se posicionado, geralmente, pela vedação de gostos com coquetéis, festividades, solenidades e eventos congêneres quando tais despesas não tenham vinculação direto com os objetivos institucionais do órgão ou entidade por falta de amparo legal, a exemplo dos Acórdãos 1.808/2003 – 1 Câmara e 1.889/2007 – Plenário. 56. Entretanto, é fato que, eventualmente, as organizações militares devem receber autoridades e visitantes estrangeiros de países amigos em suas dependências. Em razão de não serem contratados serviços de terceiros pelas OM, as despesas de cerimonial podem ser eventualmente efetuadas, desde que sejam feitas com parcimônia, a fim de não comprometer a política de austeridade que deve ser sempre perseguida pela Administração (Acórdãos 194/2010 e 869/2011, ambos do Plenário). (…) ACÓRDÃO (…)

9.3.4. atente, na execução de despesas com coquetéis, festividades ou eventos comemorativos, quando condizentes com os objetivos da entidade, para que sejam realizadas com parcimónia, a fim de não comprometer a política de austeridade que deve ser sempre perseguida pela Administração;” (grifamos)

Um parêntesis: recentemente muitos municípios e estados têm abusado deste expediente e tornaram-se verdadeiros restaurantes de alto padrão às custas do dinheiro público.

Assim, concluímos que tais atos escapam às finalidades do STF e o edital pode ser revisto, nos termos da Súmula 473-STF.

Josué de Castro na sua obra Geografia da Fome escreveu: “Interesses e preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado”.

Entende o autor que os processos de colonização e dependência econômica estão diretamente ligados à geração de pobreza e miséria extrema no mundo.

O Brasil não escapa desta grave mazela, da injustiça na distribuição de renda e dos grandes contrastes sociais que nos permeiam. Neste cenário, as autoridades têm que dar o exemplo de austeridade e moralidade públicas.

É bom lembrar o que reza a nossa Constituição:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

A realização da Constituição se constrói pelos seus intérpretes.

Na medida que os Juristas percebem os abismos entre a realidade e o que prevê o Direito, cabe a eles aproximarem os sonhos da realidade.

Referências:

Edital do STF disponível na internet em: <file://tcprofiles/usersprofiles$/TC506842/Downloads/PRE%2027%20REFEI%C3%87%C3%95ES%20INSTITUCIONAIS.pdf>, acesso em 30/04/2019:

Alimentos:

1.1.1. Salgadinhos frios: canapés (de salaminho, ricota com nozes, ricota com agrião, roquefort, pepino japonês, aspargos, anchovas, carpaccio, salmão, patê etc.); camarão ao vapor (com molho tártaro, de raiz forte, de agrião etc.); rolinhos de surubim (com molho de raiz forte); rolinhos de presunto de Parma; mousses frias com torradas (alcachofra com pistache, berinjela, mostarda com queijo Minas e gergelim etc.); mini-carolinas de aves; bolinhas de queijo cobertas com ervas finas, páprica doce, castanha de caju e gergelim.

1.1.2. Salgadinhos quentes: caldinho de feijão; mini-acarajés; mini-tapiocas com carne de sol e queijo coalho; mini-esfirras; mini-bruschettas (mussarela de búfala e tomate seco, frango com cogumelos etc.); dadinhos de queijo coalho e tapioca com geleia de pimenta; polenta com mousse de bacalhau; barquetes (siri, camarão, palmito, carne de sol e confit de abóbora etc.), bolinhos de aipim com queijo coalho; bolinhas de queijo; bolinhas de carne; miniquibes; iscas de peixe ou camarões empanados (molho tártaro, de raiz forte, de agrião etc.); risoles (de milho, frango, camarão etc.); coxinhas de frango; folheadinhos (de anchovas, cebola, queijo brie, lombo defumado etc.); barquetes (de siri, camarão, palmito etc.); empadinhas (de frango, camarão, palmito, queijo etc.); pasteizinhos (de carne, queijo Minas, queijo brie, camarão, frango, palmito etc.); charutinhos de queijo; canapés gratinados de cebola e queijo; bolinhos de bacalhau; cubinhos de carne-de-sol assada.

1.1.3. Entradas: salada verde com queijo de cabra e figos; carpaccio (abobrinha, palmito pupunha, carne etc.) salada caprese; salada verde mista (com abacate, palmito, peito de peru defumado desfiado, fatias de carpaccio, fatias de presunto de Parma, bacon picado, croûtons ou lascas de queijo parmesão etc.); ceviche (atum, salmão, robalo etc.); terrine de legumes; surubim defumado; crepes de surubim defumado, musse de abacate com camarões ao vapor; musse de aipo (com camarões ao vapor, com presunto de Parma ou com molho de roquefort); camarões ao vapor (com molho tártaro, de raiz forte, de agrião etc.); medalhões de lagosta (com molho de raiz forte, de agrião etc. ); casquinhas de siri; panquecas (de espinafre e ricota, de ricota e nozes etc.); quiches (de salmão, queijo de cabra, shiitake, abobrinha, camarão, alho-poró, lorraine etc.), raviolis de espinafre e ricota; risotos (funghi, limão siciliano, palmito pupunha com camarão, carne seca com queijo coalho), palmito pupunha assado com vinagrete, mini-moranga recheada (carne seca, camarões etc.).

1.1.4. Pratos principais: peixe à brasileira; filé de peixe grelhado (com molho de manteiga queimada, alcaparras etc); bobó de camarão; camarão à baiana; medalhões de lagosta com molho de manteiga queimada; bacalhau à Gomes de Sá; frigideira de siri; moqueca (capixaba, baiana), arroz de pato, baião de dois, escondidnhos (bacalhau, carne seca, camarão, pato); pato assado (com molho de laranja ou de azeitonas etc.); galinha d’Angola assada; vitela assada; codornas assadas; carré de cordeiro, medalhões de filé; tournedos de filé (com molho de mostarda, pimenta, castanha de caju com gengibre etc.); pernil de cordeiro assado; rosbife de filé; lombo de porco assado; picadinho de filé.

1.1.5. Acompanhamentos: legumes torneados ou em noisettes (cenoura, beterraba, batata, abobrinha etc.); purê de legumes (de batata, abóbora, batata baroa, batata doce, aipim etc.); purê de maçã; batatas soufflées; vegetais ao vapor e/ou na manteiga (vagem, ervilha em fava, espinafre, couve-flor, brócolis, couve de Bruxelas, couve, repolho roxo, tomates-cereja, fundos de alcachofra etc.); aipim frito; arroz branco; arroz com queijo coalho, arroz com amêndoas, com castanha de caju; farofas (de panko, de banana, de dendê); banana da terra grelhada; tutu de feijão; mini-soufflés de legumes (cenoura, espinafre, couve-flor etc).

1.1.6. Pratos frios para buffet: salada caprese; salada Waldorf; salada Waldorf com camarões; salada verde mista (com abacate, palmito, peito de peru defumado desfiado, fatias de carpaccio, fatias de presunto de Parma, bacon picado, croûtons ou lascas de queijo parmesão etc.); salmão defumado, truta salmonada e surubim defumado (com blinis, molho de raiz forte ou de carpaccio); camarões ao vapor (com molho golf, raiz forte, agrião etc.); medalhões de lagosta (com molho golf, de raiz forte, de agrião etc.); salpicão de frango; maionese de legumes; salada de bacalhau; frios variados (bresaola, presunto de Parma, mortadela, salame, salaminho, copa, carne seca dos Grisões, presunto cozido, pastrami etc.); patês variados (de fígado de ave, porco, de carne, campagne, terrine de legumes etc.); queijos variados (dos tipos gruyère, emmenthal, port-salut, brie, camembert, roquefort, de cabra, gouda, de Minas, provolone etc.); musses salgadas (de aipo, atum, abacate etc.); galantines (de frango, vitela, legumes etc.).

1.1.7. Pratos quentes para buffet: bobó de camarão; camarão à baiana; bacalhau à Gomes de Sá; frigideiras (de siri, bacalhau etc.); pato assado (com molho de laranja ou de azeitonas etc.); galinha d’Angola assada; peito de peru recheado (com ricota e nozes, com patê, com fundos de alcachofra etc.); pernil de porco assado; peru assado; presunto tender assado; leitão assado; lombo de porco assado; boeuf bourgignon; picadinho de filé; fricassé de frango; rosbife de filé; galinha ao molho pardo; tortas salgadas (de alho poró, aspargos, palmitos, frango, camarão, bacalhau, queijo, cebola, espinafre, quiche lorraine etc.).

1.1.8. Sobremesas: musses de frutas (de maracujá, morango, caqui, goiaba, manga, coco, limão cupuaçu, açaí etc., com calda e/ou lascas da própria fruta fresca); sorvetes (de baunilha, chocolate, menta, maracujá, manga, caqui, bacuri, goiaba, coco, tapioca, graviola, limão, com calda e/ou lascas da própria fruta fresca); manjar de coco (com baba-de-moça, calda de ameixa preta, de damasco etc.); doces de frutas em calda (cajuzinho, goiaba, laranja, mamão verde, mamão verde com coco, banana etc., com queijo de Minas, requeijão ou creme de leite fresco); doce de abóbora com coco; doce de goiaba pastoso; doce de leite; salada de frutas; quindim; tortas doces (de amêndoas, chocolate, ou de frutas etc.); cassata; docinhos caramelados variados; cocada de forno, romeu e julieta brulée, suflê (goiabada com calda de tipo catupiry, amora, maracujá etc.)

1.1.9. Sanduíches: sanduíches frios de queijo, de presunto e salaminho em pão de forma ou pão de sal, peito de peru defumado e muçarela no pão de centeio ou pão de forma, patê de atum com batata palha e cream cheese no pão de gergelim, peito de frango desfiado com catupiry e cenoura ralada no pão de batata, ricota com ervas frescas e uvas passas em baguete ou pão de forma, carne assada com abacaxi grelhado no pão francês, roast beef com alface e tomate caqui no pão sírio, pasta de aves defumadas com queijo cheddar no croissant, água mineral sem gás e refrigerante.

1.1.10. Coffee break : sucos, café, chá, biscoitos salgados e doces, mini sanduíches e três tipos de frutas, bolos (inclusive bolo de rolo) lanche constituído de refrigerantes, sanduíches de metro, cachorro quente e sorvete. (…)

Bebidas

1.1.2. Espumante brut, produzido pelo método champenoise e que tenha ganhado ao menos 4 (quatro) premiações internacionais. O espumante deve ter amadurecido, em contato com leveduras, por período mínimo de 12 meses. A safra ou vindima do espumante deve ser posterior a 2013. 1.1.3. Espumante extra brut, produzido pelo método champenoise, e que tenha ganhado ao menos 4 (quatro) premiações internacionais. O espumante deve ter amadurecido, em contato com leveduras, por período mínimo de 30 (trinta) meses. A safra ou vindima do espumante deve ser igual ou posterior a 2009. 1.1.4. Vinho tinto fino seco, de uva tipo Tannat ou assemblage contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010 e que tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais. O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses. 1.1.5. Vinho tinto fino seco, de uva tipo Cabernet Sauvignon, de safra igual ou posterior a 2010 e que tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais. O vinho, em sua totalidade, deve ter sido maturado em barril de carvalho, de primeiro ou segundo uso, por período mínimo de 12 (doze) meses. 1.1.6. Vinho tinto fino seco, de uva tipo Merlot, de safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais. O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses. 1.1.7. Vinho branco fino seco não aromático, de uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013 e que tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais. O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro ou segundo uso, por período mínimo de 6 (seis) meses. A colheita das uvas para fabricação do vinho deve ter sido feita manualmente. 1.1.8. Vinho branco fino seco, de uva tipo Sauvignon Blanc, safra 2015 e que tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais. A colheita das uvas para fabricação do vinho deve ter sido feita manualmente. 1.1.9. Bebidas diversas, como caipirinha, feita de limão e cachaça de alta qualidade; destilados, como uísques de malte, de grão ou sua mistura, envelhecidos por 12 (doze), 15 (quinze) ou 18 (dezoito) anos, cachaças envelhecidas em barris de madeira nobre por 1 (um) ou 3 (três) anos, gim, vodca, conhaque envelhecido por no mínimo 2 (dois) anos; vinhos de sobremesa; aperitivos, incluindo coquetéis de bebidas; bebidas digestivas e licores finos.

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6 ideias sobre “O que alimenta o STF

  1. Fausto Thomaz

    Uma pergunta: No almoço servido toda quinta feira na Igreja Corte de Contas onde o Sr. trabalha é servido o que mesmo? Acho que não fica muito longe do que está sendo servido no STF

  2. Curioso

    Este almoço é pago do bolso e não dos cofres públicos. Já houve essa polêmica há anos atrás. Quem tem um almoção café e jantar é o prefeito Greca. Tenha culhões e coloque seu nome verdadeiro.

  3. Parreiras Rodrigues

    Claro que não li todo o texto ai em riba. E ninguém vai lê-lo. Mas o motivo faz a todos se perguntarem: Ao contrário de togas, não seria mais adequado o uso de máscaras?

  4. Zangado

    Claudio, é o banquete antropofágico de Macunaíma que saiu do livro de Mário de Andrade e do filme de João Pedro para ser levado a efeito nos salões do Supremo … canibalismo explícito do dinheiro público pelos ministrones sem caráter nenhum.

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