15:03Tato Taborda, adeus

A OAB do Paraná informa:

Com pesar, a OAB Paraná comunica o falecimento do desembargador aposentado Pretextato Taborda Ribas Neto, ocorrido na manhã desta quinta-feira (4/4) na capital paranaense. Embora nascido em São Paulo, a 20 de setembro de 1937, Ribas Neto cresceu em Curitiba, onde graduou-se em Direito, na Universidade Federal do Paraná, em 1961.

Era inscrito na seccional paranaense da OAB sob o número 34.757, mas dedicou a maior parte de sua carreira profissional à política e ao jornalismo, tendo trabalhado em dois dos mais destacados veículos da imprensa nacional – o Última Hora e o Jornal do Brasil. Atuou também no Diário do Paraná.

Como homem público, trabalhou com o ex-presidente João Goulart, foi desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR) e presidiu a corte nos anos de 1997 e 1998. Também foi secretário estadual da Casa Civil, Justiça e Direitos Humanos no segundo governo de Jaime Lerner (1999-2002).

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Texto de José Carlos Fernandes publicado no jornal Gazeta do Povo em janeiro de 2015
O nome solene veio do avô e do pai – tradição que repetiu com o filho mais velho. São Pretextatos. Assim costumavam fazer as famílias tradicionais, quanto mais aquela que, dizia-se, “era dona da Rua XV”. Mas à revelia da estirpe, ele virou Tato, apelido sem cerimônia que se sobrepõe e o traduz. É o ilustre que fica bem no diminutivo.

No ramo do Direito, Tato chegou longe – participou do governo João Goulart e assessorou o distinto ministro paranaense Amaury de Oliveira e Silva. Quando eclodiu o golpe de 1964, estava de passagem para Ministério Público do Trabalho, onde fez carreira como juiz. Nos anos 2000, aposentado, aceitou ser secretário do governo Jaime Lerner.

Paralelo às lides oficiais, deu asas a sua segunda paixão – o jornalismo. “Você vai sentir inveja”, brinca, quando lhe perguntam como foi ter sido repórter do Última Hora, em pleno 1968. No início era um bico. Não demorou muito, estava com os pés em dois mundos – o dos morros violentos e o dos eventos internacionais. Cobriu o lançamento da Apolo XI nos EUA, a Copa de 70 no México, a libertação de guerrilheiros tupamaros no Uruguai. “Ele é um encantador de salões”, resume o jornalista Aroldo Murá, em perfil que publicou, sobre as incríveis memórias de Tato.

Aos 77 anos, casado com Maria do Rocio há 28, é pai de cinco filhos e avô de oito netos. Passa os dias ao pé dos pinheiros na cidade que chama de sua. Vai dedicar um livro a Curitiba.”

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“Por volta de 1962, o advogado Pretextato Taborda se viu incumbido de ir ao Mato Grosso preparar uma visita do presidente João Goulart, para quem trabalhava. Ao circular no hotel onde estava hospedado, deparou-se com um sujeito deitado na porta de um dos quartos. Mirou a cena e até puxou conversa – ao que escutou a recomendação de que se fosse dali. Obedeceu.

“Não lembro para qual dos Geisel ele fazia a segurança”, conta Pretextato, referindo-se aos generalíssimos Orlando e Ernesto. Mas recorda bem o nome do rapaz da guarda – Mariel Moryscötte de Mattos, o Mariel Mariscot, um tipo galã de subúrbio que, entre outras, faria fama ao se tornar amante da atriz Darlene Glória (a Geni do filme Toda nudez será castigada).

Mal podiam prever, mas iriam se reencontrar no final daquela década, numa das visitinhas que Mariel – então alçado ao posto de um dos “12 homens de ouro” da Polícia Civil do Rio de Janeiro – costumava fazer à redação do jornal Última Hora, o UH, na Rua Sotero dos Reis, 62, Praça da Bandeira. Nessas ocasiões, sentava a bunda na mesa dos repórteres e os seduzia com informações frescas sobre o Esquadrão da Morte, grupo de justiceiros anônimos regido pela máxima do “bandido bom é bandido morto”.

O bordão horrorizava setores mais civilizados da sociedade carioca. Os “12” surgiram para tranquilizá-la, em vão, pois as farinhas se misturaram, como hoje se sabe. O publisher Samuel Wainer, dono do UH, fez o que devia: montou uma pequena equipe de jornalistas para produzir um dossiê sobre os “homens de ouro”. Pretextato – ele mesmo, o que trabalhava para o Jango – escolheu Mariel. Já o conhecia de vista, afinal. Confessa que sentiu medo.

Quanto a Mariel, o “Ringo de Copacabana” – baleado em 1981, na hora em que estacionava o carro – morreu sem saber o tamanho da honraria que foi ser reportado por aquele jornalista educado como um candidato ao Itamaraty. Resta saber que diabos Tato, como o chamam até hoje, estava fazendo na redação do Última Hora.

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Veja o vídeo sobre Pretextato Taborda

SLIDESHOW: Veja o ensaio fotográfico de Jonathan Campos

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Pretextato Pennafort Taborda Ribas Netto nasceu em São Paulo, no ano de 1937, mas mal se lembra disso. Chegou aqui nos cueiros. Usa com fartura a expressão “minha terra” ao se referir ao Paraná. Depois de duas décadas no Rio de Janeiro, e andanças por Brasília, voltou para Curitiba. Mora cercado de pelo menos 20 pinheiros, numa reserva nas rebarbas do bairro Mossunguê. Ali, “porvinhas” sugam sem piedade seu sangue azul.

Reúne todas as credenciais para ser chamado de paranaense: tem parentesco com gente graúda – o interventor Manoel Ribas –; estudou na Universidade Federal do Paraná; ocupou cargo de confiança no Palácio Iguaçu – as pastas da Casa Civil, Justiça e Direitos Humanos no segundo governo Jaime Lerner (1999-2002). Some-se a seu atestado de bons antecedentes que, na meninice, era louco por turfe.

Os mais jovens duvidam, mas na primeira metade do século 20, as corridas de cavalo em Curitiba eram tão ou mais populares que as “pelejas” entre times como o Britânia ou o Coritiba. As capas dos segundos clichês dos jornais não deixam mentir. Havia mais fotos dos puros-sangue Iáskara e Falum do que de craques como Florisval “Neno” Lançoni e Evilton Elias Carazzai.

Ser setorista de turfe era o “ó”, um sonho inclusive para moços como Pretextato, destinados a baias mais seletas. Seu pai, cujo hobby não eram cavalos, mas cavaletes, fazia parte do seleto grupo do pintor norueguês Alfredo Andersen. Mesmo assim, rendeu-se e pouco antes de morrer lhe garimpou um estágio na imprensa. Recorreu à amizade com o jornalista Adherbal Stresser, diretor do Diário do Paraná, jornal do conglomerado Diários Associados, de Assis Chateaubriand, em Curitiba.

Era 1955. O Diário tinha sido inaugurado havia pouco, na Rua José Loureiro, 111, e passava a circular numa cidade que provava os ventos modernistas trazidos pelo governo de Bento Munhoz da Rocha. Tato debutava no melhor endereço da redondeza – feeling que se repetiria em outras ocasiões.

O temperamento boa praça de Tato ajudou. Tinha 17 anos, sentia-se à vontade no ambiente vira-lata e boêmio das redações, estava pronto para ser “adotado”, o que na cultura da imprensa de outrora significava passar por todas as provações destinadas aos “carrapichos” e pés-rapados em geral, como se dizia no jargão.

Sua tarefa era ir ao hipódromo duas vezes por semana, bem cedinho, para assistir aos treinos. A ordem dada pelo editor Luiz Renato Ribas era dracônica: tinha de fazer cronometragens, saber “só de olhar” o nome dos cavalos e dos jóqueis. Sem essa capacidade, jamais cobriria bem uma corrida. Que observasse. E trouxesse palpites sobre quem seriam os vencedores. “Eu ia até o Guabirotuba de bicicleta”, resume, sobre seu batismo de fumaça no jornalismo.

Dá para dizer que Luiz Renato Ribas – mais tarde um pioneiro da TV e da publicidade no Paraná – plantou naquele repórter iniciante as qualidades que anos depois lhe abririam as portas de dois dos maiores veículos da imprensa brasileira – o Última Hora e o Jornal do Brasil. Editores como Samuel Wainer e Alberto Dines botaram o olho gordo no rapaz de Curitiba porque ele falava três línguas com a facilidade de quem dá nós no cadarço; não perdia a classe mesmo diante de um crápula, mas sobretudo porque era um observador. Aprendeu decorando nome de cavalos aos pinotes.

64 no avião

A carreira do bacharel em Direito Pretextato Taborda não foi, digamos, um passeio de bicicleta. No meio do caminho havia o lendário político de Rio Negro – Amaury de Oliveira e Silva. Senador eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, em 1963, o paranaense se tornou ministro do Trabalho e da Previdência Social de João Goulart. Ao montar sua equipe, Amaury levou junto afiliados do PTB – um deles atendia pelo apelido de Tato. Foi uma antessala da revolução: em menos de um ano na pasta, o desconhecido Amaury se mostrou um ás em negociações e multiplicou sindicatos rurais. Foi leal a Goulart na alegria e na tristeza. Acompanhou-o no exílio. “Chegou a trabalhar como garçom num restaurante de comida brasileira, em Montevidéu”, ilustra Taborda.

Tato também provou da pimenta do golpe de 1964. Naqueles idos de março, voava para uma convenção trabalhista no México quase ao mesmo tempo em que Jango era catapultado aos infernos. Foi um embaraço: estava em terra estrangeira representando um governo que não existia mais. A aeronave desceu no Panamá – “disseram que se a quartelada não desse certo, podiam precisar do avião”. A viagem acabou dando certo, mas na volta, teve de explicar aos militares por que comprava tantos jornais e revistas na banquinha da frente do Hotel Serrador.

“Naquela época, a imprensa era a única maneira de a gente saber das greves em outros estados”, conta. Os fardados aceitaram a explicação, deixando o assessor livre para assumir uma vaga na Justiça do Trabalho. Tinha 27 anos e um bom emprego – conquistado num Brasil em que pessoas com a formação de Tato não havia às pencas. Era um sujeito bem preparado num país que desafinava. Para sua surpresa, o dono do Última Hora, Samuel Wainer, também achava.

Zoom

O Brasil não é um país dado a biografar seus jornais – o Le Monde, sozinho, rendeu três. A exceção fica para o Última Hora, objeto de meia dúzia de livros. Motivos, a rodo – vão do financiamento camarada feito por Getúlio Vargas a Wainer, em 1951, para que abrisse a empresa; passam pela inovação gráfica e editorial; pela resistência ao golpe de 1964. Sem falar em seus jornalistas brilhantes e, claro, na mulher do chefe – Danuza Leão.

Uma das publicações mais saborosas sobre o UH é A rotativa parou! – os últimos dias da Última Hora de Samuel Wainer, do jornalista Benício Medeiros. Funciona como uma crônica de bastidores. A folhas tantas, Medeiros fala da chegada de Tato Taborda à redação, em 1968. Descreve-o como criativo, culto, independente e rico – qualidades que pareciam ficar ainda mais salientes em se tratando de alguém que não precisava do salário de jornalista para pagar contas. Claro – sua finesse causava pontadas de ciúme na turma que esperava o vale.

Tato desconversa. Conta que foi apresentado a Samuel pelo jornalista Nelson Motta, com quem partilhava o gosto por arte e as festas nos apês à beira-mar. No primeiro encontro entre criador e criatura, o publisher, que se gabava de ter desmoralizado Orson Wells, simpatizou com o forasteiro contido que, ironia, tinha trabalhando em Curitiba para o arqui-inimigo Assis Chateaubriand. Ficou combinado que faria notas culturais para a coluna Zoom e copyright de matérias compradas do Nouvel Observateur e do Financial Times.

Podia aparecer de vez em quando, mas quem disse. O paranaense logo se tornou pródigo em cavar faith divers e canards, expressões francesas para aquelas aparentes quinquilharias noticiosas que escondem ouro. Chegou a ser ovacionado pelos fãs de Emilinha Borba, na porta do jornal, ao noticiar que ela voltaria a cantar, depois de ter um gato arruinando seu gogó. Mas arrancar declarações de ex-Rainhas do Rádio não era seu único talento.

Em 1969, Samuel Wainer o enviou como correspondente do UH no lançamento da Apolo XI, em Cabo Canaveral, na Flórida. Um ano depois, cobriu a Copa de 1970, no México. Não ficava no arroz com feijão. Tornou-se amigo do craque Rivelino, com quem conversava sobre passarinhos. “O pai dele ligava na concentração, para contar com andava a criação”. Wainer vibrava. É também da autoria de Tato amatéria “Rondon, o último dos xetás” que denunciou o fim dessa etnia no Paraná. Além de miudezas sobre o mundo do crime.

Na redação do UH, Taborda ficou próximo de papas como Tarso de Castro e Arthur da Távola. E de ninguém menos que Amado Ribeiro. É ainda hoje o maior mito do jornalismo policial no Brasil –cabra que comia sanduíche no meio dos cadáveres, como propalavam os que queriam dar a dimensão de sua frieza. Basta lembrar que Amado virou personagem da peça Beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues. Taborda, na contramão, o descreve como um bom sujeito, sempre pronto a dar dicas sobre o submundo. Ganhou várias.

A breve passagem do paranaense pelas páginas de crime merece um brinde. A Justiça do Trabalho o obrigava a garimpar as favelas e a Baixada Fluminense. Não via por que não fazer o mesmo pelo jornal. Com a diferença de que em vez de reforçar o “mundo cão”, descobria histórias de interesse humano. Aconteceu na entrevista com o bandido Toco de Vela – assim chamado por deixar um toquinho aceso ao lado de suas vítimas.

Era pintado como uma besta fera, a personificação do Esquadrão da Morte. O “Toco” que Tato encontrou na vida como ela é não passava de um velho bandido doente, sem condições de arcar com toda a barbárie a ele atribuída. O adolescente que um dia observava cavalos matou a charada. Dessa vez, não foram só os fãs de Emilinha a aclamá-lo.

Epílogo

Samuel Wainer vendeu o Última Hora em abril de 1971. Tato lhe telefonou, lamentando a falência. Nunca mais se viram. Tempos depois, pediria uma licença no serviço público para trabalhar no Jornal do Brasil, a convite de Alberto Dines. Em 1974, voltou à seara. Garante que nunca pensou em trocar o Direito pelo jornalismo.

Aposentado, é casado Maria do Rocio. Conheceu-a numa padaria, ao lado do extinto jornal Correio de Notícias, na Rua Benjamin Constant, em Curitiba. Estava no lugar certo, mais uma vez. Em casa, tendo-a sempre por perto, escreve textos que acha parecidos com matérias de jornal. Suspeita que nunca serão publicados.”

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