12:30A história de 64, contada por um idiota

por Marcelo Coelho

O mais ridículo do vídeo bolsonarista sobre o golpe é o fato de se julgar esperto

Coisa mais bizarra, esse vídeo divulgado pelo Palácio do Planalto e pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a propósito de 1964.

Um senhor desconhecido, cujo rosto lembra o de algum antigo comentarista de futebol do Paulistão de 30 anos atrás, apela para a experiência dos mais velhos.

“Se você tem a mesma idade que eu”, começa ele, “pouco mais, pouco menos” —note-se a liberalidade, o espírito de tolerância dessa concessão— “sabe que houve um tempo em que nosso céu não tinha mais estrelas”.

Sim, tenho aproximadamente a mesma idade do locutor. E me lembro de um tempo assim. “Um tempo de medo e ameaças”, continua ele. Em que as pessoas “prendiam e matavam seus próprios compatriotas”.

Tudo indica que ele está falando da ditadura militar. Mas não! É o contrário!

A loucura da iniciativa é descrever como um período de trevas a República democrática instituída a partir de 1945 —quando presidentes, governadores, prefeitos e parlamentares eram eleitos pelo voto popular.

Para o locutor bolsonarista, a intervenção militar de 31 de março não cassou parlamentares, não extinguiu partidos políticos, não fechou o Congresso, não tirou juízes e ministros do STF de suas funções, não matou ninguém, não censurou jornais, músicas e peças de teatro, não permitiu a tortura e a prisão indiscriminada de opositores do regime.

No raciocínio dele, isso tudo acontecia antes do golpe. Ou, pelo menos, constituía uma ameaça iminente, já que os comunistas —eles sim— fazem ditaduras. O Exército, a partir de 1964, trouxe a luz sobre a escuridão. O Exército (o Exército, o Exército!, repete o locutor) democratizou o país.

Tudo isso é de uma tamanha burrice, de uma tamanha ignorância, de uma tamanha desonestidade, que nem mesmo valeria a pena ser contestado.

O problema é que muitas pessoas, não digo de esquerda, mas com um mínimo de apreço à verdade e à democracia, parecem ter desistido há algum tempo de discutir esse tipo de coisa.

Estou entre os culpados. Não tenho ânimo nem personalidade para me engalfinhar com fanáticos.

O fato é que os absurdos vão crescendo, e seria preciso uma reação organizada, permanente e institucional de parte dos democratas e da esquerda para se contrapor à demência em curso.

A propaganda bolsonarista parece vir de outro planeta. É tão tosca e inacreditável que o mais interessante, acho, seria perguntar o que se passa na cabeça de quem a produziu.

Sem excluir as hipóteses óbvias —a loucura extremista e o hábito, comum entre as pessoas muito burras, de achar que os outros são mais burros ainda—, imagino que outro processo esteja em curso.

Não é impossível que o estrategista por trás dessa comédia tenha pensado mais ou menos assim.

“Os comunistas”, raciocina ele, “são mestres da propaganda mentirosa”. Martelam sem descanso suas teses na cabeça dos mais jovens, e com isso acabam conseguindo adeptos.

Nosso bolsonarista terá, talvez, lido um clássico do anti-stalinismo como a “Revolução dos Bichos” de George Orwell —e, sem dúvida, “1984”, do mesmo autor. Ali se denuncia a prática da “novilíngua”, empregada pelo “Grande Irmão” para impor sua tirania sobre as massas.

Na distopia de Orwell, o “Ministério da Paz” era quem cuidava da guerra, e o “Ministério da Verdade” cuidava da propaganda.

“Hum! É então assim que agem os comunas, hein?” pensou o bolsonarista. “Vamos vencê-los com uma dose do próprio remédio!” Ele faz uma breve pesquisa na internet. “Dizem que a Revolução de 64 impôs um período de trevas e que os militares acabaram com a democracia?”

Ele resolve ser esperto. “E se dissermos exatamente o contrário?” Pensa mais um pouco. “Afinal, os comunas não tem nada de democratas. Logo, quem acabou com a raça deles…”

“Claro!”, entusiasma-se um jovem discípulo. “Quem destruiu os comunas… será por definição um democrata!”

Portanto, “se derrubamos a esquerda com tanques, se fechamos o Congresso, se torturamos, se impedimos a realização de eleições…”.

O pensador bolsonarista triunfa: “instituímos, ‘ipso facto’, a democracia!” Um pouco de latim impressiona os incautos. “Quod erat demonstrandum”, acrescenta, com um risinho abafado.

É o mesmo processo que faz o fanático dizer que os nazistas eram de esquerda. “Não sabe que eles se diziam socialistas?” Sim. Do mesmo modo que você, bolsonarista, se diz democrata.

 

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2 ideias sobre “A história de 64, contada por um idiota

  1. SERGIO SILVESTRE

    Esse Marcelo Coelho é um vil avermelhado lotado no seu jornal comunista,esquerdopata safado.

  2. Mito

    E esse foi o textão, da história de 64 contada por outro idiota.

    Até certo ponto, o bom da história é isso mesmo: qualquer idiota tem a sua versão dela. E, em tempos de acesso livre, leve e solto à internet e seus “especialistas”, é cada vez maior o número de apóstolos da sua versão da história e seus fiéis e cegos seguidores.

    A meu ver, nunca a humanidade conseguiu, ou conseguirá, uma só versão para fatos históricos, quaisquer que sejam. Sempre haverá testemunhas para afirmarem que o que viram, ou acham que viram, é a única e absoluta verdade e sempre haverá os que os contradigam. Sempre haverá os que relatem os fatos sob suas próprias perspectivas e compreensões e sempre haverá os que lhes contestem. Assim é e sempre será.

    E sempre haverá aqueles que, alheios à liberdade do outro de “emprestar a sua crença” a quem bem entenda merecê-la, irão querer, pela força da espada ou do engodo, obrigar os outros a aceitarem sua versão como a única verdadeira.

    Acho até que, se assim não fosse, seria muito monótono viver nessa dimensão. (Observe que essa é uma fé minha e não peço a ninguém que siga, por favor.)

    Assim, nem bolsonaristas nem lulistas, nem esquerdistas nem direitistas, nem malabaristas, terraplanistas, conspiracionistas, etc., etc., etc. têm, ao fim e ao cabo, o direito de impor suas interpretações dos fatos como verdade única e certa.

    Cabe a cada um, baseado em sua própria consciência, seus valores e seu livre-arbítrio, acreditar naquilo que bem entender sem, contudo, se permitir com isso que se sobreponham ou subjuguem o outro.

    Dito isso, peço licença para compartilhar a minha verdade (não peço que acreditem!), aprendida nos sagrados livros de São Ronald: “Amo muito tudo isso.”

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