7:43Invernal

por Nilson Monteiro

Apaixono-me ao te ver nua e cinza, abraçada pela serra que mal se distingue, em brumas, recorte que não repara em caminhantes.

Apaixono-me por você, entende?

Não é amor à primeira vista, são muitos olhos, olhares, rumos, sentimentos, tempos, manhãs e luares, destinos pelos caminhos.

Cravo meus dedos em tuas coxas geladas, que desfilam impunes na tarde imitadora dos grã-finos, deixo a imaginação pecar o quanto bem entender. Bardos dedos, bardas mãos, virtudes de peles de todas as cores.

Bato pernas sem rumo por dentro de tua elegância cabocla, os olhos brincam com ambientes e entendem seus códigos.
Até os velhinhos ficam mais bonitos, elegantes em seus passos pequeninos, a imaginar o que já foi e soprando o frio que ainda virá.

Sim, no caminhar, sinto cheiros. Cheiros de perfume, de naftalina, brechós, blusas, coletes, chapéus, gorros, de cortinas abertas, a cidade sai dos armários armados para o frio que ainda virá.

Teus esfarrapados se enrolam cedo, sob as marquises, e destilam um bafo azedo de aguardente. Dores e doloridos se beijam e se abraçam irmanados.

Dentro de hospitais e cemitérios, as dores superam as delícias terrenas, sei.

Nossa Senhora da Luz que ilumine aqui, lá, acolá, onde rareia a luz neste país tão lindo e tão torto, de horizontes tão turvos.
Malditos os que fazem as pessoas infelizes!

Sopra um vento fininho, acompanhado de garoa teimosa e invasiva que umedece as ruas, roupas secas feitas de betume, e casas, aglutinantes.

Os prédios brincam na névoa. Invento o que há em cada apartamento.

A garoa umedece os cabelos que já não existem e os sonhos, todos. Eles não envelhecem, cantou o poeta.

Gentes, todas as idades, se acotovelam em seus botecos à busca de labaredas para suas veias e fantasias para os dias que se aproximam. É assim por onde ande: Cajuru, Abranches, Pilarzinho, Hauer, Boqueirão, Centro, Jardim Social, Portão, Cristo Rei, Aeroporto, Novo Mundo, Alto da Glória, Vila Torres, Batel, Água Verde, Ahu, Estribo, Sítio Cercado, Jardim das Américas, Oficinas, Santa Cândida, Capão Raso, vilas, bairros, favelas… Parece ser unanimidade, ampla, geral e irrestrita.

Ônibus lotados e carros quase vazios cortam seu corpo, velozes.

Caminho. À procura de seus mistérios guardados nas prateleiras de 326 anos, guincham os ossos sem solução.
Apaixono-me.

E qualquer hora ainda te faço um poema.

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Uma ideia sobre “Invernal

  1. SERGIO SILVESTRE

    Pois é Nilson,com a queda do império dos RICHAS,agora ao invés de escrever discursos e textos para o clã,o negocio é se arriscar num livro de contos ou estorias do segundo andar.

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