22:16Um “pé de vidro” genial

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Antônio Wilson Vieira Honório, o Coutinho

“Pé de vidro” morava a 100 metros da Vila Belmiro. Depois que parou, dificilmente ia lá. O melhor companheiro do Rei Pelé, no melhor time de todos os tempos, era assim mesmo. Um dia João Saldanha foi lá no sobradinho onde morava. Estava montando a seleção que seria tricampeã mundial em 1970. Pediu a Coutinho que ele voltasse a treinar, pois ia convocá-lo para ser novamente o parceiro do Rei. O excepcional atacante desdenhou, achou que tinha passado o tempo, apesar de ainda ter idade para reviver a dupla infernal e as tabelinhas que ficaram na história do futebol mundial. Preferiu ficar em casa como aquele que cumpriu sua missão – e sempre disse que não era craque. Marcou quase 400 gols vestindo aquele manto sagrado totalmente branco que era o uniforme do Santos. Se alguém lembrar o dia em que o viu dando um bico na bola, que fale agora ou cale-se para sempre. Quem não o conhecia, ao vê-lo entrar em campo, gordinho para os padrões de um atleta, poderia até rir antes de a bola rolar. Depois era o choro pela derrota e o aplauso de ver um dos maiores atacantes da história do futebol. Ele contou uma vez que com o time concentrado na Vila Belmiro, numa véspera de jogo contra o Corinthians, a torcida adversária foi ali para perto dos dormitórios e dá-lhe batucada para não deixar a moçada dormir. “Abrimos a janela e, com nossos instrumentos, acompanhamos o samba”, ele contou. “A coisa foi até tarde. No dia seguinte, à tarde, enfiamos cinco neles”. “Pé de vidro” tinha problema de diabetes. Por causa disso, tempos atrás, perdeu três dedos do pé esquerdo. Não podia mais andar, mas podia falar – e ele era duro na queda. Olhava futebol e disse que Di Stéfano não teria condições nem de lustrar as chuteiras de Lionel Messi, a quem sempre admirou. Neymar, que nasceu ali sob suas vistas, dizia: “Não é craque. Não joga pela equipe”, alfinetava quando resolvia conceder alguma entrevista – o que não era muito fácil. Não gostaria de jogar no futebol de hoje porque “todos só querem aparecer”. Ir a Santos para falar e dar um abraço de agradecimento pelo que fez talvez fosse o sonho de todo torcedor que amou aquele Santos fenomenal. O número de seu telefone era conhecido por poucos. Uma vez a secretária do jornalista Juca Kfouri informou que tinha os algarismos, mas que nem adiantava ligar, pois a mulher dele atendia e ao informar o nome do interlocutor, ele cortava o embalo na hora se não fosse dos seus mais chegados. Milton Neves era um deles – e o considerava o maior centroavante de todos os tempos. Era, porque infalível no posicionamento, no chute sempre colocado, jamais com pancada, no cabeceio, no passe, no raciocínio especial para acompanhar o pensamento e o olhar de Pelé. Fica, então, o abraço de um admirador na multidão de que o viu jogar e sabe que hoje a bola que o reverenciava e atendia seu talento também está triste.

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