20:12NELSON PADRELLA

    Fantasmas não gritam sua solidão. Sequer sussurram qualquer coisa. Apenas nos olham de dentro das antigas fotografias sem súplica, sem cobrança. Minha mãe olha de dentro do nada em que agora se encontra. Seus olhos não enxergam mais o menino. Ela parece se conformar e continua a olhar, a olhar, e é só isso o que fantasmas fazem. A dor pertence a quem fica.  Dói perceber que parece que foi ontem que estávamos todos vivos, e se não nos amávamos pelo menos nos queríamos bem, nos protegíamos uns aos outros.

     Estou fazendo faxina na casa, papéis para um lado, papéis para outro, as telas que já não tenho paredes para pendurar e que foram pintadas no fogo da juventude. O que fazer com todo esse tesouro de lembranças? Devo guardar tudo, cercar-me de tal forma que acabe por me ilhar num mar de lembranças? Hoje uma carta, um bilhete, amanhã um cartão postal que me chegou da Europa em 1976. Mas, as fotos! Como me desfazer dessas preciosas e doloridas joias? Quem me ensina a me separar de tudo o que foi minha mãe, meu pai, meu irmão? Quem me ensina a voar para longe do mundo náufrago?

 

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Uma ideia sobre “NELSON PADRELLA

  1. SERGIO SILVESTRE

    Me vejo antes de 1953,não me importava onde eu estava,não sentia frio,não tinha sentimentos,nem pai nem mãe nem irmãos.Hoje eu acho que nem sei se vivo ou se sonho,é tão breve a vida que parece que fui usado pelo Universo para admira-lo.
    Ele nos da iris colorida e um ouvido afinado para ver e ouvir,e um paladar para provar tudo que é de sua criação.
    Uma coisa me encuca,tudo isso é morto,tudo isso é cego e surdo?Ai eu chego numa conclusão estranha que amanhã vou fazer parte disso.
    Em algum lugar nesses confins do Universo,talvez vou ser cego e surdo,não vou ter o gosto das mangas doces,mas fui por uma unica vez protagonista,tive minha unica chance e me retirei.
    Talvez sobre alguma coisa minha,e num futuro distante alguém espane o meu pó de uma soleira de janela.

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