21:18ZÉ DA SILVA

Comi goiaba, caju, fruta do conde, banana. Tudo verde. Tomei no rabo. A seringa de vidro e uma agulha do tamanho de uma de tricô. O que aliviou foi ficar olhando a beleza daquele estojo de metal do farmacêutico. Nove anos. Viagem para fora do gueto da pobreza, mas da cidade descomunal. Viagem para outro gueto de pobreza, mas com poucos miseráveis, escondidos em pequenas casas de pau a pique, moradores, como chamam lá. E mat., Ah, como tinha mata. Pé de pau de tudo quanto é jeito. E as frutas, ali, ao alcance das mãos. Galinhas soltas no terreiro, vó espalhando milho com o paieiro na boca. Índia, era índia, tenho certeza, mesmo sem ninguém saber dizer direito. Os índios mesmo estavam do outro lado da serra. Nunca saíram de lá – e não gostam até hoje de estranhos, esses que agora andam com o celular na mão como se isso os mantivesse vivos. Gonzagão contou minha história ao chegar de volta pra casa depois de anos no Rio de Janeiro. Madrugada, luz de lampião lampião alumiando o carão, a redescoberta do que importa, do que veio antes, no caminho que os avós passaram – e abriram. Eu fui passear a cavalo. Tomei no rabo de novo. No pelo, sobrou o prazer do passeio inédito e a dor de uma ferida que demorou a sarar. Onde estou? É tudo tão estranho aqui, décadas depois… Mas o que está do lado de fora, aprendi, é moldura da verdadeira paisagem, como aquela, lá do sertão brasileiro.

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