7:36De Pio.Correa@edu para Bolsonaro@gov

por Elio Gaspari

Excelentíssimo presidente,

Eu deixei a diplomacia em 1969, depois de 32 anos de serviços. O senhor era um garoto. Fui secretário-geral do Itamaraty e era chamado de “Abominável Homem das Nove”. Orgulho-me ao dizer que estou à sua direita. Se o senhor duvida, repito-lhe o que disse a um colega assombrado com meu discurso ao assumir o cargo:

–Não gosto de diplomatas pederastas, não gosto de diplomatas vagabundos, não gosto de diplomatas bêbados.

Talvez vosmicê tenha simpatia pela memória do presidente John Kennedy. Era um bestalhão e sua morte deixou-me indiferente. Vivi no Rio de Janeiro antes que Copacabana fosse invadida pela horda pululante e chinfrim de suburbanos transmigrados e pela lepra das favelas.

Deixei um livro de memórias e se um diplomata fosse flagrado lendo-o durante a desgraçada ruína dos petistas, estaria frito. (“O Mundo em que Vivi”, 1.098 páginas, pesando um quilo.) Minha lembrança foi banida da Casa a que servi, lutando contra o comunismo e os cabeludos esquerdosos.

Esse currículo é minha credencial para dizer-lhe que o senhor está fazendo o certo, da maneira errada. Nunca alimentei encrencas públicas com países com quem temos fronteiras secas. (Nossos limites com a Venezuela estendem-se por 2.200 km de mata.) Vá lá que seu governo queira brigar com Cuba, nosso saudoso marechal Castello Branco rompeu relações diplomáticas com o castrismo, mas não tinha créditos a receber.

Os problemas da vida internacional não admitem improvisações fáceis (desconvidar convidados) nem atitudes emocionais (acicatar a China). Exigem definições fundadas no conhecimento perfeito dos fatos e em sua segura interpretação à luz do interesse nacional. E digo mais, exigem estilo.

Fui embaixador no Uruguai ao tempo em que lá vivia asilado o senhor João Goulart. Visitei sua filha quando ela foi atropelada e só me referia a ele em conversas com as autoridades locais como “el señor presidente”. Vivi as delicadas negociações com a Argentina e o Paraguai que resolveram uma questão de limites e permitiram a construção da hidrelétrica de Itaipu. Jamais acompanhei a retórica antibrasileira dos nossos vizinhos. Podia-se detestar o Pio Correa, mas eu não podia estimular preconceitos contra nossa Pátria.

Mesmo quando deixei a carreira, tornando-me presidente da Siemens, empenhei minha palavra de honra em várias ocasiões e patrocinei uma visita de 50 jornalistas europeus ao Brasil, repelindo as denúncias de torturas sistemáticas a presos políticos. Ainda durante o governo do general Medici dei-me conta de que havia sido ludibriado. Mais tarde, muito esquerdistas proclamaram-se campeões da verdade. Ao meu estilo, em 1971, escrevi o seguinte ao chefe do Estado-Maior do Exército, general Alfredo Malan:

“Menti, sem saber, a quantos me ouviam. Estou hoje convencido, por boas e suficientes razões, de que a tortura, as torturas mais cruéis, são desgraçadamente aplicadas em nosso país de forma rotineira e sistemática a prisioneiros políticos. Iludido estava eu e iludido estará você, como iludido está o honrado e digno presidente da República que, como eu, afirmou publicamente o contrário.”

Nunca divulguei essa carta porque, como na minha atividade diplomática, sempre segui o ensinamento do Barão do Rio Branco, tão violentado pela chusma esquerdista:

“Nada mais ridículo e inconveniente do que andar um diplomata a apregoar vitórias”.

De seu fiel admirador,

Pio Correa

A 1ª LEI DE DELFIM

Nesta semana começa o governo de Jair Bolsonaro e não custa repetir a primeira lei do professor Delfim Netto:

“Na quarta-feira o presidente terá que abrir a quitanda às 9h da manhã com berinjelas para vender a preço razoável e troco na caixa para atender a freguesia.

Pelos próximos quatro anos a rotina essencial será a mesma: abrir a quitanda, com berinjelas e troco.

Todos os desastres da economia brasileira deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja.”

RISCOS SABIDOS

Em sua “Agenda de Governo”, Bolsonaro mostrou que reunirá seu ministério às terças-feiras e fará “reuniões de alinhamento” semanais com grupos de ministros.

A nova administração entrará em campo sabendo dos “principais riscos” embutidos em suas iniciativas.
Assim, o principal risco do “Plano de Governo” é o de que ele saia do forno “sem conhecimento adequado de todos aspectos que podem influenciar o planejamento.”

Já o risco da governança é “não ter um modelo adequado aos objetivos da organização e alinhado às linhas gerais das políticas governamentais”.

MADAME NATASHA

Madame Natasha, como Eremildo, votou em Bolsonaro, mas digitou 13. Ela leu que vão chamar as reuniões do ministério de “Conselho de Governo” e que os encontros ocorrerão na “Sala Suprema” do Palácio do Planalto. Além disso, listam uma categoria de servidores denominados como “dirigentes máximos”.

A boa senhora acha que a burocracia republicana iria melhor se restabelecesse os títulos de nobreza do Império. As reuniões aconteceriam na Sala do Trono, com marqueses, viscondes e barões.
Indulto

Por trás do vaivém da concessão do indulto de fim de ano por Temer, esteve a decisão de deixar um legado para Bolsonaro.

Concedido, o indulto preservaria o delicado equilíbrio existente nos presídios do país. Negado, colocaria gasolina nos corredores controlados por facções criminosas que esperam faíscas capazes de estimular rebeliões.

Nas últimas semanas Bolsonaro e seu ministro Sergio Moro repetiram formulações genéricas que fazem sentido para quem está solto e são promessas de marcianos para quem está preso.

Por exemplo: negar a progressão da pena para quem pertence a uma facção dentro de um presídio. Tudo bem, desde que se faça de conta que em alguns lugares é possível viver numa cela sem aderir à facção. Quem vai distinguir o preso primário que aderiu para proteger sua vida e a de sua família do bandido que chefia o grupo?

Passando pelo Rio, o arqueólogo egípcio Zawi Hawass voltou a reivindicar a volta do busto da rainha Nefertiti ao seu país. É uma rica discussão, mas não tem mocinho nem bandido.

A deslumbrante Nefertiti está exposta em Berlim, para onde foi levada em 1912. A peça foi liberada pelos egípcios e sobreviveu à Segunda Guerra. Já o museu do Cairo foi saqueado em 2011 e sumiram pelo menos 17 peças.

No Brasil dos anos 30 o antropólogo francês Claude Levi Strauss reuniu um acervo de milhares de peças indígenas. A lei mandava que ele só levasse a metade. O lote francês (1.200 objetos) está devidamente catalogado no museu do Quai Brandy, em Paris.

O lote brasileiro foi dividido pela burocracia e depois agrupado na Universidade de São Paulo. Só uma parte foi catalogada e muitas peças estragaram-se.

*Publicado na Folha de S.Paulo

 

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