6:13Carlos Nasser

(pelo amigo Luiz Fernando Casagrande Pereira)

Em 22 de fevereiro de 2018, Carlos Nasser sofreu uma acusação grave. Coisa da Lava Jato (estigmatizante por si só). Sugeriram até que havia um decreto de prisão. Já perto dos oitenta anos, com passagens por governos desde Jayme Canet, nunca tinha havido qualquer acusação contra Nasser. Isso não vale nada para a lógica das punições antecipadas da Lava Jato. Não se suicidou, como o Reitor Cancellier, mas Nasser começou a morreu naquele dia. Quase não saiu mais de casa. Ficou envergonhado. Definhou. Morreu. Será enterrado hoje.

Apesar de décadas de diferença de idade, fui amigo e convivi muito com Carlos Nasser. No processo criminal que se seguiu, fui testemunha de defesa. Tinha sido o advogado escolhido por Nasser para redigir o contrato questionado pela operação da polícia. Conhecia toda a história e tinha convicção absoluta que tudo não passara de uma (mais uma) precipitação do Ministério Público na Lava Jato. Carlos Nasser era inocente. Sem nenhuma dúvida.

O único paranaense que eu conheço nasceu em São Paulo, escreveu Nelson Rodrigues sobre Nasser. Apesar de paulista de nascimento, Nasser dividia-se entre Curitiba e Rio de Janeiro. No Rio, Nasser acompanhava Nelson aos jogos do fluminense. Nelson citou Nasser em muitas crônicas. Basta conferir a seleção que Ruy Castro fez para a Companhia das Letras no início da década de noventa. Conviver com Nelson Rodrigues já vale uma existência, mas o rol dos amigos ilustres era extenso.

Quando estava no Rio, não raro caminhava com Millôr Fernandes (Luiz Gravatá, o jornalista, era testemunha). Paravam na praia do Arpoador, onde Nasser tinha um belo apartamento (ali na É Francisco Otaviano – que já peguei emprestado). Quem mais, além de Millôr – sempre questionava Nasser –, traduzia Shakespeare do inglês, Molière do francês e Dante do italiano? Millôr era sempre assunto na coluna que Nasser manteve por duas décadas na Gazeta do Povo.

Nasser fez muito dinheiro na bolsa de valores. E gastava bem. E se exibia muito bem, usando a coluna da Gazeta do Povo para falar de viagens, restaurantes, sapatos italianos e outras frivolidades essenciais. Eu, Francis e Rafael de Almeida Magalhães (ex-governador da Guanabara) jantamos mais uma vez no Sparks, em Nova Iorque, gabava-se Nasser em uma coluna qualquer, veiculada sempre aos domingos. Vanity era o pecado preferido de Carlos Nasser.

Nasser ganhava dinheiro na bolsa, se exibia no jornalismo, conhecia bem futebol, mas gostava mesmo era de política. Era o assunto preferido. Atacava de estrategista e marqueteiro. Fez dezenas de campanhas, desde a convenção em que Afonso Camargo perdeu para Ney Braga em 1965 até a reeleição de Beto Richa. Esteve nas campanhas de Alckmin, Maluf entre ouros tantos. Carneiro Neto brincava que Carlos Nasser era pé-frio, mas a verdade é que esteve em todas as campanhas vitoriosas de Álvaro Dias – o que desmente um pouco a brincadeira do amigo.

Há alguns anos, Nasser lançou o livro “Jogadores Eternos”, uma coletânea de entrevistas com grandes jogadores de futebol. O livro tem Pelé no centro das entrevistas. Detalhe: Carlos Nasser trabalhou um tempo com Pelé. Estive, é claro, no lançamento. Depois fomos jantar com o nosso amigo Nego Pessoa – também falecido neste ano (a propósito, Curitiba emburreceu um tanto em 2018). Falamos, entre outros assuntos, do documentário sobre Paulo Francis (“Caro Francis”, dirigido por Nelson Hoineff). Parece estranho, mas o assunto do jantar tem tudo a ver com a morte de Nasser.

Falando sobre a morte de Francis, em depoimento ao documentário, Nasser cravou: “acho que a ação da Petrobrás matou o Francis”. Tratava de uma ação injusta contra Francis patrocinada nos Estados Unidos pela Petrobrás. O documentário destaca a fala de Nasser. Ironia do destino, foi uma ação injusta do Ministério Público que matou Nasser. E foi exatamente isso que eu mesmo disse ao comparecer como testemunha de defesa há poucos meses: Nasser é inocente e pode não viver a esta brutalidade; pode morrer antes da sentença de inocência. E morreu mesmo. Católico, será enterrado hoje, véspera de Natal.

Compartilhe

9 ideias sobre “Carlos Nasser

  1. Curitibano zangado

    Com todo o respeito, o Ministério Público só está tentando entender de onde vieram, e qual foi o destino, dos mais de R$ 3 milhões sacados na boca do caixa, enquanto trabalhava no Palácio Iguaçu. Afinal, exercia uma função pública e a sociedade tem todo o direito de obter uma explicação. Uma explicação convincente que, aliás, poderia ter sido dada espontaneamente. Novamente, com todo o respeito que a situação merece.

  2. luiz fernando casagrande pereira

    Não gosto de responder quem se esconde atrás de pseudônimos (sugere covardia), mas mesmo assim eu vou te responder. Há vinte anos, um procurador da república entrou com uma ação contra Carlos Nasser. Inconformado com uma crítica veiculada na coluna da Gazeta, queria danos morais. E levou, apesar da liberdade de expressão constitucionalmente garantida. Não posso deixar de lembrar que a Folha de São Paulo mostrou que, coincidentemente, nestes casos envolvendo membros do Ministério Público e magistrados a média das condenações é CINCO vezes mais alta. Com juros e correção, Nasser ficou com uma dívida praticamente impagável para quem já estava praticamente aposentado. Por isso ele sacava tudo que ganhava. Com medo da penhora vinda de uma ação sobrevalorizada. O valor dos saques que você menciona refere-se a um período de mais de dez anos. Algo como vinte mil por mês. Fácil de esclarecer, como, aliás, já havia esclarecido. Pena que o escracho provocado pela precipitação do Ministério Público impediu que viesse um pedido de desculpas com a sentença de absolvição. Nasser morreu antes. Durma em paz. Bom Natal

  3. Guilherme Goncalves

    Notável a sensibilidade do Luiz Fernando, nosso Pereirinha. Sabe bem Pereira, Amigo solidário que é, quanto é cruel essa novidade de destroçar um suspeito logo de início, sem qualquer chance de defesa – essa é a “novidade” que a República de Curitiba está “ensinando” ao Brasil. Mas os exageros estão aí: humilhar um senhor com a história do Naninho (como os amigos o chamavam) é imperdoável. Mas a conta um dia vai chegar, Pereir, como advertiu a muito tempo Neviton Guedes…

  4. Curitibano zangado

    Há vinte anos, portanto, não existia a “execrável” Lava Jato. Deplorável é explorar a memória de uma pessoa com o propósito covarde de atacar a Lava Jato e o Ministério Público. Nós, da detratada República de Curitiba, nos orgulhamos de uma iniciativa inédita de enfrentamento da elite, até então acima da lei, que colocou na cadeia empreiteiros corruptos e políticos corruptos (que também, covardes, esconderam-se atrás da demogagia), como “nunca dantes acontecera neste país”. Sobre o anonimato, deixo seus motivos ao julgamento dos demais leitores do blog.

  5. José MariaCorreia

    Conheci o Naninho como era conhecido operando a Bolsa de Valores para grandes investidores do Paraná do Brasil e do exterior.
    Vivia do fruto do seu trabalho, assessoria financeira, marketing político em grandes campanhas e aplicações.
    Morava em um bom apartamento sem luxo e jamaia deixou de trabalhar mesmo adoentado.
    Foi vítima de um momento de caça às bruxas e teve sua reputação liquidada na mídia pelas acusações não provadas do MP.
    Que fazer?
    Nós que o conhecíamos bem só podemos zelar pela sua memória .
    O resto a história dará conta

  6. Rf

    Não sei.
    Vou esperar a sentença.
    Tal qual a tese da candidatura de Lula que Pereira defendia este ano ou a não dívida do CAP com a prefeitura e FDE, vou esperar o fim.

  7. Bruno

    Aff, é proibido colocar apelido ou nome ??? Que comentário é esse aí condenando o Curitibano zangado só por ter posto seu “pseudônimo” ? Qual é o problema ? Covardia ???!!!!

    No bar, elevador ou igreja, ao iniciar uma conversa com alguém vc fala o nome completo, rg e cpf?

    Uma das minhas promessas para o ano que vem é não ler mais o blog, pois está ficando “chateante!

  8. Tatiana Nasser

    Querido “Curitibano Zangado” e outros…
    procurem no Google a palavra compaixão.
    É Natal. Acredito que não tenham família para desfrutar da presença de seus entes queridos.
    Desejo que vocês tenham em seu leito de morte, pessoas como a minha família, segurando suas mãos na sua passagem. Um Feliz Natal a todos com um pouco mais de amor. Coragem em expor seus nomes é para poucos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.