19:30ZÉ DA SILVA

Há uma lata de tinta preta aqui na mesa. Vou beber. Quero ficar o que sou: preto. De negão já me chamavam e eu, branquelo e com vitiligo, enchia o peito e saía voando por aí na pele dos meus ídolos dos esportes, da música, da literatura, do cinema, dos guetos. Lembrei de meu amigo Osmar, sem sobrenome, perdido no tempo que separa a gente – e não encontrado, ainda, na facilidade das redes. Está vivo porque era daqueles que, nos encontros do caminho, ficou para sempre a partir dos bancos escolares. Vamos construir um carro de corrida? Vamos. E fomos atrás de um Citroen no ferro velho, sem pensar em motor, em nada. Era nosso sonho de agora, do estalar dos dedos, da sociedade dos poetas vivos, mas em poesia. Motor? Nada, pensávamos apenas na estabilidade do carrinho. Enfiamos o pé no nosso acelerador de vida e ficou assim. Uma vontade imensa de reencontrar e saber “como vai você” – e ouvir as histórias que ele tem para contar. Eu? Tenho muitas. Inclusive essa, de me imaginar tomando todo o galão e me orgulhar do que o líquido fez com minha pele. Preto retinto, como se diz no Nordeste. Então, eu o abraçaria e diria que sobrevivi para isso. Porque é o que vale.

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