8:42O janeiro que virá

por Mário Montanha Teixeira Filho

O primeiro de janeiro de 1965 nunca se apagou da minha memória. Eu era uma criança de cinco anos, e o réveillon, como de costume, acontecia na casa da minha avó, no centro da cidade. Os carros com suas buzinas, a magia dos fogos de artifício, a agitação das pessoas, a expectativa pelo encontro dos ponteiros do relógio à meia-noite, tudo me fascinava. Alguns rituais eu não conseguia compreender, como o das águas que minhas tias e primas mais velhas faziam jorrar sobre os lances da escada da porta principal. Munidas de baldes e gritando palavras desconexas, elas promoviam uma algazarra que parecia divertida. Tudo aquilo era uma espécie de truque para que deixassem de ser solteiras no ano que se anunciava, diziam os adultos. Mas nenhum deles explicava por que, afinal, o casamento deveria nortear a vida daquelas mulheres grandes, belas e cheias de personalidade. Deixei por isso.

A virada se aproximava, e meus ouvidos de menino se impressionavam com a saudação entoada por uma das irmãs do meu pai: “Viva 1965, viva a revolução!”. E, mais alto: “Viva a revolução!”. Eu, que ignorava o significado da palavra, gravei: revolução. Era bonito, tinha jeito de coisa boa. Assim a revolução ganhou a minha simpatia. A revolução abstrata, vazia de conteúdo, até que o tempo cuidasse de ensinar que a minha tia brindava naquela noite uma ruptura política, um golpe militar, uma quartelada. O meu país era triste, percebi depois, na juventude ameaçada pela censura e pelo medo.

Sobrevivemos, os da minha geração. Falta-nos, no entanto, o balanço definitivo dos nossos erros. A ditadura fardada foi embora, levando consigo uma dose considerável de rancor, sem permitir que seus aparatos, seus cadastros, seus métodos e seus heróis fossem perturbados pela ordem “democrática”. Agora, em 2018, esse monstro, que parecia abatido, dá sinais de vida, se movimenta, respira e está pronto para matar, se for preciso. Nós fomos derrotados.

Na incerteza dos tempos recentes, um filme se repete, feito pesadelo. Não sabemos qual etapa do passado nos engolirá depois do primeiro de janeiro de 2019. Recomeçaremos, então, Sísifos esmagados pelo destino trágico do castigo. A diferença é que 1965 nos oferecia o mundo (ao menos era assim para o ser ingênuo que habitava o meu corpo). Hoje, os caminhos que restam são poucos. E nós estamos velhos, tão velhos quanto o ano novo que virá.

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