9:26‘Não quero ter parte nisso’

por Elio Gaspari

Na noite de domingo (28) o Brasil terá escolhido um novo presidente da República. O resultado virá da vontade dos eleitores e, seja qual for o voto que se tenha dado, cada um deles terá parte no que vier a acontecer.

Milhões de pessoas que votaram em Dilma Rousseff ou em Aécio Neves tiveram motivos para se arrepender mas, como hoje, era um ou outro. O arrependimento acompanhou também os eleitores de Fernando Collor em 1989 e de Jânio Quadros em 1960. Nenhum deles se elegeu sugerindo medidas que pudessem prenunciar uma ameaça às instituições democráticas.

O caso agora é outro. O deputado Eduardo Bolsonaro tratou de uma situação hipotética de conflito com o Supremo Tribunal Federal e disse que bastariam um cabo e um soldado para fechá-lo.

Um general da reserva, eleito deputado federal pelo PSL depois de ocupar a Secretaria da Segurança de Natal, defendeu o impeachment e a prisão de ministros do Supremo: “Não tem negociação com quem se vendeu”. Antes dele, um general da reserva que disputaria sem sucesso um cargo eletivo disse que “corte que muda de decisão para beneficiar criminoso não é corte, é quadrilha”.

O general Hamilton Mourão, também da reserva e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, elaborou sobre o mecanismo do “autogolpe”. Noutra digressão mencionou as virtudes de uma Constituição redigida por sábios e ratificada num plebiscito. Jair Bolsonaro prometeu o fim do “ativismo” e anunciou que “os marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”. Como?

Essas foram afirmações de candidatos, feitas em diferentes contextos, às vezes partindo de situações hipotéticas. Não se deve esquecer que o deputado petista Wadih Damous, numa argumentação que nada teve a ver com a retórica bolsonarista, já sugeriu “fechar o Supremo Tribunal Federal” para criar uma Corte Constitucional. O doutor foi um dos marqueses da OAB.

Bolsonaro já prometeu mais de uma dezena de providências que dependem de reformas constitucionais. Elas precisam do voto de três quintos da Câmara e do Senado. Serão necessários 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores. Mesmo tendo formado a segunda bancada da Câmara, o PSL não os tem. Como pretende consegui-los, é outra história. Admitindo que os consiga, será o jogo jogado e a vida seguirá. Se não conseguir, vem aí uma crise anunciada.

O eleitor ficou entre a cruz e a caldeirinha. Até o dia da posse, tudo será encanto e sedução. Como ensinou Marco Maciel, “as consequências vêm depois.” A essência da questão está na parte que caberá a cada um quando elas chegarem.

Há casos em que o cidadão tem que traçar a linha que não atravessará. No dia 29 de maio de 1966 o marechal Cordeiro de Farias entrou no gabinete do presidente Castello Branco. Ele acabara de capitular diante da candidatura do ministro da Guerra, Arthur da Costa e Silva.

Cordeiro era ministro do Interior. Aos 65 anos, estivera em todas as encrencas militares da primeira metade do século, da Coluna Prestes à deposição de João Goulart. Como general, comandou a Artilharia Divisionária da FEB na Itália.

No encontro, Cordeiro disse ao presidente: “Você é generoso com o Costa e Silva, eu sou justo. Você sabe que ele vai afundar o país, pois é incapaz, e eu não quero ter parte nisso”.

Cordeiro deixou o ministério e foi para casa. Costa e Silva assumiu em 1967 e afundou o país em 1968, baixando o Ato Institucional nº 5.

Numa manhã de agosto de 1976, em cena emocionante, o velho marechal entrou, de bengala, no saguão onde se velava o corpo de Juscelino Kubitschek. Doze anos antes, havia votado pela sua cassação, mas não teve parte na ascensão de Costa e Silva.]

*Publicado na Folha de S.Paulo

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7 ideias sobre “‘Não quero ter parte nisso’

  1. Biito

    Elio Gaspari não vale uma reprodução por wapp.
    Cora Ronai é muito mais difundida.
    Gaspari, Cantanhede, Fernando Rodrigues e tantos caçadores de regra e cagadores da mesma, não sabem mais o que dizer.

  2. maurilio

    Certos jornalistas se acham deuses, capazes de mudar o rumo das coisas… ou melhor, ou pior, se acham oráculos, caso do EG. O marechal Cordeiro de Farias não compactuou com a indicação de Costa e Silva… mas ajudou a cassar JK. E quando JK morreu, o marechal foi ao velório dele! Os velórios parecem ser momentos sob medida para aplacar a culpa dos ofensores. As pessoas aproveitam esses momentos sensíveis e delicados para reparar seus erros, iniciativa que provavelmente não chegue ao conhecimento do falecido. A gente ofende o VIVO e pede desculpas ao MORTO… EG faz terrorismo eleitoral tentando, talvez involuntariamente, ajudar Haddad, ainda que seja fato notório que o jornalista não é petista. Mas está sendo massa de manobra do PT. Antes elegermos um estabanado, do que alguém que faz parte de um grupo que há mais de 10 anos vem destruindo o Brasil. Para um estabanado há mecanismos para barrar doidices, a lei! Ninguém vai fechar STF, ninguém vai fazer nada fora da lei. Apesar de tudo, somos um pais com ordem legal.

  3. pedro xer

    “Numa manhã de agosto de 1976, em cena emocionante, o velho marechal entrou, de bengala, no saguão onde se velava o corpo de Juscelino Kubitschek. Doze anos antes, havia votado pela sua cassação, mas não teve parte na ascensão de Costa e Silva.”

    Cena emocionante! Cassou e ceifou a carreira de Juscelino. Aí vai no velório e tudo fica numa boa!

    Impressionante! Ou, como diria Zé Beto, expressionante!!!

  4. SERGIO SILVESTRE

    Vamos calar a boca do colunistas,fechar as redações e rasgar livros,vamos lá Bolsonaro!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  5. Parreiras Rodrigues

    Me arrependi de ter comprado os cinco volumes de Elio Gaspari sobre a Ditadura. Não vou lê-los. Começa puxando o saco de Castelo Branco, do Golbery. Ficam lá, na prateleira, vez em quando, uma espanadorzada.

  6. SERGIO SILVESTRE

    Lé a biografia do Hitler Parreiras,e a do Chaves que prendia opositores,não é meio parecido com rompantes de certo candidato?

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