6:31Porre, porrete e psicologia das massas

por Mario Sergio Conti

Em 1961, Jânio Quadros encheu a cara e tentou dar um golpe para passar de presidente a ditador. Bebeu mal, pisou na jaca e fugiu num cargueiro. O golpe veio menos de três anos depois. Foi dado pelas forças que o elegeram. A anarquia serviu de pretexto para chamarem os militares.

Há um mês, o general Hamilton Mourão, candidato a vice de Jair Bolsonaro, disse que o próximo presidente pode dar um “autogolpe” se anarquia houver. Segundo a Constituição, quem define o que é anarquia e aciona as Forças Armadas é um dos três Poderes.

No Supremo, o presidente no próximo período será Dias Toffoli. Toga preta chegado ao verde-oliva, ele nomeou um general como braço direito. Disse não ter havido nem golpe nem ditadura em 1964. Mandou a liberdade de imprensa às favas e censurou a Folha.

Na Câmara, caso seja acatada a proposta do general Mourão, o presidente será Levy Fidelix. O maníaco do aerotrem chamou os gays de “doentes mentais”, defendeu que a homossexualidade é “contagiosa” e associou-a a pedofilia.

Se Jânio era a UDN de porre, Jair é o PSL de porrete. Eleito, terá a legitimidade do voto, o amparo da lei e, a seus pés, partidos prostrados ou servis. Bastará a Bolsonaro dar um assobio da janela do Planalto para chamar os milicos: já avisou que terá “um montão” de ministros generais.

Enquanto o lobo não vem, os fardados terão com o que se entreter. Como Bolsonaro defendeu a tortura “em certas situações”, poderão estudar como bem aplicá-la. Arrancar unhas com alicate? Os choques na genitália, tão anos 1970? Ou a uberfashion americana do waterboarding?

O capitão e sua tropa escancaram o que pretendem. Acham o 13º “uma jabuticaba” a ser erradicada do pomar pátrio. Querem extorquir mais impostos de gente exangue. Estão doidos para “privatizar tudo” —escolas, hospitais, metrôs e, presume-se, a fabricação em série de paus de arara.

Nas domingueiras na Paulista contra Dilma, em 2016, havia grupos enormes a pregar a volta da ditadura. Tinham caminhões, alto-falantes e proteção da PM —o que denotava um dinheiro razoável e articulação política de porte. Mas esse não é o ponto.

O ponto: os autoritários tinham a simpatia da massa. Ela não os hostilizava, ao contrário. Os pró-ditadura contaram com o acoelhamento interesseiro dos liberais. “São minoritários”, foi o trololó de um deles ao arrumar o cashmere, amarrado nos ombros com estudada displicência.

Das tardes na Paulista às pesquisas eleitorais, o movimento das massas pela opressão se exacerbou. As explicações políticas, econômicas e sociológicas são indispensáveis. Mas algo sempre parece se lhes escapar: a irracionalidade bestial do fenômeno.

Por que o encantamento com a boçalidade? Por que milhões ficam surdos à razão e se insurgem contra os próprios interesses? Para obter indícios de respostas é produtivo conhecer as especulações de um clássico sobre o tema, “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, de Freud.

Escrito no entreguerras, o livro teve como móvel a crise da civilização europeia, com a transformação do iluminismo em selvageria. Seguindo Le Bon, Freud diz que, ao se dissolver na massa, o indivíduo solta seus impulsos inconscientes, comete atos contrários a seu caráter e costumes.

O líder, um demagogo teatral, propaga a energia libidinal que une os indivíduos na massa. Os que veem a sexualidade como vergonhosa acatam aquele que diz que eles não devem se reprimir —devem, isso sim, reprimir aqueles de evidenciam a sua sexualidade.

É o caso do aerotrem que atropela gays. Da ira de Bolsonaro contra a curiosidade indecente das crianças em relação à sexualidade. Como o inconsciente do líder fala diretamente ao inconsciente dos indivíduos, a massa fica imune à argumentação fundada na lógica.

O triunfo da irracionalidade se dá por meio de sugestão e contágio. A sugestão faz com que insinuações agressivas sejam aceitas como verdades. É o caso das fake news. Elas se disseminam porque reforçam aquilo em que massa já acreditava. A realidade não importa.

As fake news se espalham por meio do contágio. Ou seja, da união dos sedentos por submissão, que se juntam numa turba onipotente. Hoje, o contágio prescinde até da massa real, concreta: o WhatsApp faz com que células isoladas virem manadas desembestadas em poucos minutos.

No Brasil destes dias a combustão de neuroses particulares em paranoia coletiva parece iminente. A descrença na ação racional, porém, só pode ser barrada por ela mesma: a consciência racional.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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3 ideias sobre “Porre, porrete e psicologia das massas

  1. Parreiras Rodrigues

    Concordo, ipsis literris, com o texto do Conti. Mas, desde que ninguém leia, nas entrelinhas, declaração de voto ao Poste de Presidiário.

  2. Zangado

    Esse cara usa palavras que ao fim nada dizem, típico “auto” ajuda, que os iletrados adoram pq preenchem seus vazios com mais vazios.

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