20:14ZÉ DA SILVA

O primeiro voto a gente esquece? O meu, não. Era para eleger a miss do colégio de freiras – e a menina que me atormentava estava concorrendo. O nome também jamais esqueci. Lucivalda. No ano em que os Beatles apareceram, ela cortava o cabelo bem curtinho, enquanto eu e meus amigos, enlouquecidos pelo som que vinha de Liverpool, inventamos de fazer uma espécie de peruca preta, de pano, que cobria metade das orelhas – para imitar os cabeludos. Lucivalda era alta, magra e um tormento tão grande quando passava perto, que eu só não petrificava porque olhava e pedia ajuda à imagem de Nossa Senhora do Carmo que havia no topo do telhado da diretoria. Nunca ouvi sua voz, jamais olhei dentro dos seus olhos. Mas a paixão era tão intensa que, décadas depois, ao encontrar a 400 quilômetros dali uma mulher que eu jurava ser ela, caí de novo. Não era, mas pelo menos ficamos amigos e ela se encantou e namorou um amigo. Hoje, ao escrever o nome daquela menina, fiquei surpreso com uma constatação. Talvez tudo tenha acontecido, sem resultar em nada, por causa da sonoridade do nome que descobri depois do encantamento inicial. Eu tinha oito anos. Assim, sem saber, já preparava para muitas navalhadas no coração.

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