6:43O rancor petista virou veneno nesta eleição

por Elio Gaspari

Para quem joga numa eleição radicalizada, Fernando Haddad foi um colaborador impecável ao deixar a carceragem de Curitiba depois de visitar Lula. Ele definiu o papel do ex-presidente no governo que pretende fazer.

“Temos total comunhão de propósitos em relação a ele e o diagnóstico de que o Brasil precisa do nosso governo e precisa do Lula orientando como um grande conselheiro. Ele é um interlocutor permanente de todos os dirigentes do partido e nunca deixará de ser. Não temos nenhum problema com isso. Enquanto os outros partidos escondem os seus dirigentes, nós temos muito orgulho de ter o Lula como dirigente.”

Essa declaração poderia ter sido planejada pelo estado-maior de JairBolsonaro ou pelos urubus golpistas que pretendem deslegitimar uma eventual vitória da chapa petista. Horas antes, em São Paulo, durante a sabatina da Folha, SBT e UOL, Haddad dissera algo racional, sem a soberba do comissariado.

“O presidente Lula, sem sombra de dúvida, na opinião da maioria dos brasileiros, foi o maior presidente da história deste país. Ele é um grande conselheiro e terá um papel destacado em aconselhamento, em falar de sua experiência. Jamais dispensaria a experiência do presidente Lula.”

Uma coisa é elogiar Lula e seus oito anos de governo. Bem outra é dizer que “não temos problema com isso”. Deviam ter, pois Lula está na cadeia, condenado por corrupção. Milhões de eleitores estão dispostos a votar em Haddad por ele ser o candidato de Lula.

Ao dar a um detento a condição de pai da pátria, o PT estimula a dúvida em quem espera a volta dos “bons tempos” com uma vitória de Haddad, mas também teme que ela traga de volta o que há de pior no comissariado.

O consulado petista teve duas faces, a do progresso com Lula e a do regresso com Dilma Rousseff, a da atenção para o andar de baixo e a das roubalheiras com o andar de cima. Oferecer as duas ao eleitorado num combo rancoroso é soberba.

Não se pode saber de onde está saindo o rancor petista. Pode ser que venha da inconformidade de Lula, ou ainda do interesse radical de uma parte do PT.

Venha de onde vier, tornou-se um veneno que produz dois efeitos. O primeiro é o estreitamento da base eleitoral de Haddad, mas sempre se poderá dizer que uma eventual vitória transformará esse erro em asterisco. No seu segundo efeito, o modelo do “conselheiro” reforça as ameaças à sobrevivência das instituições democráticas.

Não é preciso ser um gênio para perceber que há um farfalhar golpista no ar. Bolsonaro—como Donald Trump— diz temer uma fraude na contagem eletrônica dos votos. Trump ganhou e não tocou mais no assunto. O general Hamilton Mourão sonha com uma nova Constituição, redigida por sábios e sagrada num plebiscito. Coisa parecida, recente e próxima só em 2007, na Venezuela.

Se houver um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro e o capitão reformado ganhar, será o jogo jogado. Se Haddad sair vencedor, a tese da vitória sem legitimidade irá para a mesa. A teoria do “conselheiro” serve à sua retórica.

As vivandeiras civis associadas à anarquia militar contestaram a legitimidade eleitoral em 1889 e em 1930 (com sucesso), em 1950 (fracassando até 1954, quando Getúlio Vargas matou-se) e em 1955 (com a teoria da falta de maioria absoluta de Juscelino Kubitschek). Coisa do século passado? Em 2014, Aécio Neves contestou a vitória de Dilma Rousseff. Depois, contou que a iniciativa foi uma “molecagem”, para “encher o saco”. Vá lá.

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