6:58E lá vamos nós ladeira abaixo

por Célio Heitor Guimarães 

O que dizer quando boa parte da história e da cultura de uma nação e da humanidade é consumida pelas chamas da incompetência, desleixo e irresponsabilidade da administração pública? Nada, além de lamentar profundamente. O Brasil, que já não tem presente e o futuro é uma bruta incógnita, começa agora a perder o passado.

O incêndio que consumiu o acervo do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, na noite do último domingo, era uma desgraça esperada. Como são todas as unidades de preservação da arte, da ciência, da cultura e da história deste país abandonadas à própria sorte. No Brasil de todos os tempos não há dinheiro para cuidar da integridade física de museus, de bibliotecas, de arquivos públicos, de escolas e de outros templos da memória e do saber. Isso não dá votos. E as autoridades estão sempre em busca de votos, em regra através de obras inacabadas e desnecessárias. E, depois da tragédia ocorrida, têm o desplante de posicionarem-se diante de câmeras e microfones para lamentarem o fato, como se nada tivessem a ver com isso. É o cúmulo do cinismo! Enquanto isso, correndo o risco de queimaduras e soterramento, em meio ao fogo e aos entulhos, funcionários, professores e outros voluntários, com coragem e emoção, procuravam resgatar o que fosse possível, ainda que pequenos fragmentos da história.

O Ministério da Cultura do Brasil é uma piada. Não serve para nada. O Ministério da Educação não fica muito atrás. Olhe-se as estatísticas. Quais os avanços registrados, nos últimos tempos, nas áreas cultural e educacional desta nação? Ao contrário, se não estamos estagnados no tempo, regredimos.

O ministro da Cultura, um tal de Sérgio Sá Leitão, que pouca gente sabe quem é e de onde veio, culpa o Partido dos Trabalhadores e a Universidade Federal do Rio de Janeiropela situação do museu e a escassez de investimentos, como se nas administrações anteriores esses investimentos tivessem havido. Não houve, não há e somente haverá depois de catástrofes ocorridas. Recentemente, o Museu Nacional do Rio completou 200 anos. Quantas autoridades graduadas, municipais, estaduais ou federais, devidamente convidadas, compareceram às comemorações? Nem uma.

O Museu Nacional, considerado a mais antiga instituição científica do Brasil e o maior museu de História Natural e Antropologia da América Latina, com cerca de 20 milhões de peças em seu acervo, vivia à míngua, sem recursos para as necessidades mais elementares. A direção da instituição cansou de pedir socorro. Materiais de limpeza e higienização eram providenciados por iniciativa dos funcionários junto a entidades privadas.

O próprio prédio, o outrora imponente Palácio de São Cristóvão, que fora a residência oficial da família real, deteriorava a olhos vistos. Fios elétricos soltos pelo chão, gambiarras, infiltrações, paredes rachadas, pintura descascada, cupins em ação, carência de extintores, hidrantes vazios e nenhum sistema contra incêndio. Nem mesmo os recentes sinistros ocorridos no Instituto Butantã, no Memorial da América Latina e no Museu de Língua Portuguesa, todos em São Paulo, foram capazes de sensibilizar as ditas autoridades públicas.

Não por acaso, a historiadora e antropóloga Lila Moritz Schwarcz afirma que a culpa pelo desastre no Museu Nacional “tem nome e atende pelo termo de descaso”. Recente vistoria técnica ali realizada, aliás, concluiu que se nada acontecera até então fora por puro milagre.

Aí entra em cena o capitão reformado Bolsonaro e, com a sensibilidade adquirida na caserna, arremata: “Já está feito, já pegou fogo, quer que eu faça o que?”.

Talvez eleger-se presidente da República Federativa do Brasil, magnificência. E aí v. exª. poderá acabar de vez com os museus e as bibliotecas. Afinal, só guardam um monte de velharia e dão uma despesa…

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