19:15ZÉ DA SILVA

Primeiro ele me fez chorar baixinho porque contou que tinha conseguido conversar com o pai – e nessa hora ele era eu. Dezesseis anos. Uma vida que ninguém imagina, porque na normalidade e rotina. Hiperativo. Penso que é assim para fugir de alguma coisa, provavelmente nossos demônios que não pedimos para ter. Sim, atropelou o que seria normal para alguém com sua idade, mas estava ali protegido. Contou que no dia anterior tinha conversado com o “velho” – pela primeira vez na vida, pelo que lembrava. No dia seguinte fez um presente, uma caixa para ele guardar algumas ferramentas. Foi um presente pra mim também, eu que dei o meu ao meu pai depois dos 40, quando viajei alguns milhares de quilômetros para beija-lo, pela primeira vez na vida. Um mês depois ao entrar naquela casa onde acontecem milagres o menino veio correndo e perguntou se eu podia ver uma coisa. Fui atrás dos seus passos apressados e ali estava um canteiro pequeno, cercado de pedrinhas. Contou que plantou sementes de girassol – e meu rosto, imaginei, era o próprio exposto ao sol, de tanta alegria. Aí levou para outro lugar onde fez outro. Se a planta e as flores não aparecerem, que importa?Elas existem tanto no coração dele, como deste que, adulto, aprendeu a ser, e já ganhou muitos presentes – como o beijo dado pelo pai, anos depois daquele recebido. Foi o primeiro, e único, mas que valeu para sempre.

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Uma ideia sobre “ZÉ DA SILVA

  1. Ticiana

    Sua sensibilidade de alma me faz lembrar que pode-se resgatar a grandeza da vida em pequenos gestos. Quando leio seus textos, lágrimas brotam em meu coração, regando os jardins da alma. Você é um grande escritor. Obrigada por sempre expor de maneira tão absurdamente simples o que se sente.

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