6:11APENAS VIVER

por José Maria Correia

Meus amigos não entendem minhas idas para Matinhos todos os finais de semana, mesmo neste inverno gelado de manhãs de geadas.

São os momentos que reservo para me reencontrar, quando deixo a selva de pedra, o asfalto e seus tons de cinza e de chumbo.

Vou em busca do azul e do verde, me refugiar entre o mar e a montanha.

Entre a magia dos cumes e das rochas sigo a estrada que serpenteia entre abismos e a floresta atlântica, sou levado através do tempo para os encantos da cidade pequena, onde passei parte da minha infância e me encantei para sempre.

Desde quando ainda havia galos, noites e quintais, como no canto de Belchior.

Gosto de tomar um café na confeitaria da praça ao entardecer, ver as professorinhas deixando as escolas em meio à algazarra feliz das crianças em seus uniformes azuis.

Entrar nas pequenas lojas, mercearias e quitandas, sentir o aroma do pão saído do forno e levar as frutas da estação como fazia meu pai – mimosas, bananas e maracujás.

Chegar na casa antiga e encontrar meus gatos de rua adotados e ver a alegria de cada um me aguardando no portão e rolando na calçada.

Cuidar do jardim, das goiabeiras, das delicadas rosas, dos hibiscos e das buganvílias.

Depois, sem pressa, acender o fogo na lareira, abrir um vinho chileno de boa safra e reler meus poetas antigos, tentando compreender a genialidade de cada um.

Ficar quieto na penumbra aguardando o crepúsculo, escutando a lenha estalar e no anoitecer ir admirar as estrelas distantes nas galáxias e nas constelações, sentido o frio e os ventos do Leste na face.

Dessas estrelas imemoriais quantas já se extinguiram no tempo, mas ainda assim fazem com que suas luzes viagem por milênios chegando até mim.

Como meus tantos mortos que amo – e que ainda sobrevivem em minhas retinas, e por mais que eu lhes implore insistem em não desmorrer,  permanecem como meus anjos secretos.

É assim que levo a existência.

Ao lado do mar de naufrágios, de pérolas e de sangue e dos antigos temores das serpentes que assombravam os navegadores.

Das sereias e das ninfas, que inutilmente aguardo escrevendo minhas poesias na areia da praia para que desapareçam entre as espumas, com as pegadas e os rastros dos andarilhos da tarde.

Tendo a memória como paraíso e sentindo que as coisas da vida vão se encaixando com simplicidade na ordem natural e do destino.

Desambicionadas, como eu.

Sem pensar nenhum momento nas coisas que posso ter desejado e até poderiam ter sido, mas nunca foram, como na literatura de Borges.

E sentindo só os elementos da natureza que posso tocar, sentir e perceber.

Na beleza do outono da vida com toda a delicadeza, mesmo nesses tempos menos generosos.

Estando neste terceiro ato existencial, sem arrependimentos e culpas.

Avistando de minha janela aberta, entre tantas outras, sempre cerradas dos ausentes vizinhos, ao longe a nostalgia das canoas dos pescadores com as lanternas acesas nas proas vencendo as ondas no limite do horizonte e no infinito do oceano.

Eis que espero a coruja amiga, a que mora no beiral e vem piscar os olhos para mim.

Somos cúmplices das noites vazias e nos compreendemos em nossas solidões, no silêncio e em seus mistérios.

Depois ela voa, retorna, revoa em círculos e vai embora piando duas, três vezes para não voltar.

Uh,Uh,Uh…

Ah! que inveja da coruja amiga.

Não sei voar, nunca consegui e por isso me tornei triste bípede implume.

Mas nos meus sonhos, nesses eu sou um grande condor de asas imensas que atravessa as cordilheiras com voos magníficos sobre os desfiladeiros e as geleiras.

Dos Andes até o deserto de Atacama .

E por onde vou em meus sonhos e devaneios me acompanha o amor , como nos versos de Garcia Lorca:

“Verde que te quero verde

Verdes ventos,

Verdes ramas

O barco vai sobre o mar

E o cavalo na montanha …

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2 ideias sobre “APENAS VIVER

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