18:35ZÉ DA SILVA

Não tenho óculos escuro e não uso colírio. As lunetas aqui são herança direta do homem que matou o facínora – sem dar tiro. Alguma coisa acontecia em meu coração porque, pouco antes das hora da Ave Maria no rádio, ele começava a disparar e eu perna pra que te quero. Estava sempre ali, na esquina das ruas de barro, ou num terreno baldio, brincando, mas… Não queria enfrentar aqueles olhos que, depois, comparei ao do Clint Eastwood nos faroestes italianos ou aos de Peter O’Toole poucos antes de derrubar a tiros o primeiro no deserto em Lawrence da Arábia. Sangue e areia, que mistura! Às vezes ficava no portão, do lado de dentro, e ele aparecia na esquina, carregando na ponta do braço comprido a maleta de couro onde, dentro, balançava vazia a marmita de alumínio. Não havia abraço, beijo ou um simples olá. Mas o olhar era de alguém satisfeito porque o que queria estava sendo cumprido. A aprovação transformava a dureza dos olhos em algo parecido com o que eu via no pequeno quadro de anjo da guarda que havia na cabeceira da cama. Medos até hoje os tenho, mas também me sinto protegido – porque ai de quem me triscar! Meus olhos e os dele estão sempre prontos para matar, sem atirar.

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