6:29Discussão sim, mas com respeito

por Célio Heitor Guimarães

Talvez eu tenha sido o primeiro colunista de jornal a se insurgir publicamente contra um velho axioma… Axioma?! Está bem: frase-feita, quase um dogma, que não permitia discordância. Era o tal “decisão jurídica não se discute; cumpre-se!”, repetido a torto e a direito dentro e fora dos tribunais.

A assertiva partira, por certo, dos capa-pretas e não reverenciá-la era quase crime de lesa-pátria ou, no mínimo, ofensa aos céus. E isso me incomodava. Não a aceitava pacificamente. Então, em um texto escrito nos idos de 2000 para a então edição impressa do saudoso matutino O Estado do Paraná, atrevi-me a expressar que decisão judicial, efetivamente, cumpre-se. Mas discute-se também. Nos autos e fora deles.

Por que não? – argumentei. Acaso as sentenças judiciais seriam imposições divinas, imunes a críticas? Se os atos do Poder Executivo e a atuação do Poder Legislativo são diariamente expostos pela imprensa e malditos em praça pública, por que a sentença do juiz não pode ser analisada? A meu ver, podia e pode, sem que isso constituísse ou constitua qualquer desrespeito ao magistrado ou ao Poder Judiciário.

Fiz até uma revelação: como filho de promotor de justiça, neto de escrivão, bisneto, sobrinho, primo e genro de magistrados e, sobretudo, após haver servido por trinta e cinco anos ao poder togado e passar doze anos na militância advocatícia, garanti aos leitores que os homens da justiça são seres humanos como outros quaisquer. Com virtudes e defeitos, acertos e erros.

Aduzi que os membros do Ministério Público e os juízes têm sim o poder de investigação, de denúncia e de decisão. Mas por dever profissional, não por dádiva celestial. E por isso merecem o nosso integral respeito. Às vezes, até admiração. Mas não podem ficar imunes a críticas.

Posteriormente, os magistrados, eles mesmos, passaram a oferecer motivo e matéria-prima para o questionamento público de suas decisões. Como quando resolveram conferir a si próprios vantagens como “auxílio moradia” e outros benefícios espúrios, que, além de ofenderem a lei, a decência e a ética, zombam da massa trabalhadora brasileira. A benesse, no entanto, foi acatada e expandida a todos os homens de toga por ínclito componente da mais alta corte de justiça, o STF, sem nenhum pejo ou constrangimento.

Isso sem falar naquela triste figura, o tal de Favreto, petista infiltrado na magistratura do TRF4, que, em busca de alguns instantes de notoriedade, tentou e até exigiu a liberdade imediata de Luiz Inácio, ainda que Lula já tivesse sido condenado em dupla instância, condenação essa confirmada até pela Suprema Corte.

No entanto, de um tempo para cá, sobretudo depois do desencadeamento da Operação Lava-Jato, a contestação pública de sentenças judiciais passou a ser uma prática obrigatória dos defensores de Lula & companheirada. Mas aí a discussão passou a ser parcial, grosseira, indecente e totalmente descabida. Pretendem atingir os seus objetivos desgastando as instituições constituídas e desmoralizando os julgadores. E isso é inaceitável. Bem diferente daquilo que eu expressara e defendera.

Na época da minha irresignação, citei como exemplo uma decisão liminar de eminente magistrado desta comarca, determinando que um semanário curitibano se abstivesse de publicar quaisquer matérias, crônicas ou notícias sobre o autores da ação, direta ou indiretamente, ou se utilizasse de artifícios gráficos ou cênicos (pseudônimos, caricaturas, fábulas, humor negro) ou qualquer outro meio que identificassem os reclamantes.

Os reclamantes eram o prefeito de município fronteiriço a Curitiba e três de seus (dele) assessores diretos. Pouco importou os nomes. O que me pareceu absurdo e totalmente inaceitável foi a materialização da censura direta e preventiva, chancelada pelo Poder Judiciário e – o que era pior – com tintas de legalidade, ainda que o próprio juiz reconhecesse que a Carta Magna proclama ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

E com isso, o ilustre magistrado expôs-se à crítica dos cidadãos. Tivesse um pouco mais de preparo e de consciência profissional, teria resolvido o impasse pelo princípio constitucional da proporcionalidade, garantindo aos que se sentiram agredidos o direito de interpelar judicialmente o agressor, com base no amplo repertório legislativo civil e penal, em vez de tapar a boca do jornalista e configurar inaceitável censura.

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2 ideias sobre “Discussão sim, mas com respeito

  1. Wilson Portes

    Cato Célio, bom dia
    Mais uma vez você nos brinda com análise perfeita de uma situação de fato é recorrente no judiciário brasileiro.
    Já passei por isso é sei o quanto há de verdade nos seus conceitos.
    Abração e bola pra frente…
    Wilson Portes

  2. Wilson Portes

    Célio, os eventuais erros de acentuação devem ser creditado a pouca prática no uso desta geringonça .

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