19:21ZÉ DA SILVA

No banheiro a gente tem que ler para esquecer que é bicho. Alguém me falou que foi o polaco Leminski quem pariu essa. Pensei nisso porque estou aqui no meio da floresta e não tenho nada pra ler. Sim, fugi porque fiz cagada. Roubei um punhal enorme que pertenceu a um cangaceiro do bando de Lampião. Foi amor à primeira vista. Estava na parede da casa de um coronel fazendeiro. Imaginei como aquele aço foi temperado com sangue. Não que eu goste de assassinatos, mas me vem esse tipo de coisa – não se de onde, maseu embarco. Fui lá de madrugada, me apropriei da arma e logo depois tinha jagunço de todo tipo me caçando. Passei noites num barquinho que entrou floresta adentro, saltei num povoado, peguei uma canoa, remei até cansar, dormi numa curva de igarapé e, quando acordei, quede embarcação? Então entrei mata adentro e estou aqui, acocorado, pensando, sem ter o que ler – e ouvindo o som do começo do mundo. Não sei mais se sou gente ou apenas um bicho que um dia gostou do punhal da morte com cabo de madrepérola, que eu acaricio e me sinto forte.

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