7:33Crime e impunidade

por Janio de Freitas

segunda condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por “falta de investigação, julgamento e punição” do assassinato de Vladimir Herzog em tortura, leva a uma situação nova e embaraçosa para o Supremo Tribunal Federal, o Exército e já para o futuro governo. Tal dificuldade está implícita na sentença da corte. E foi aumentada pelo governo Temer.

Em sua decisão, a corte deu um ano ao Brasil para apresentar relatório sobre as providências de investigação das circunstâncias e identificação dos responsáveis na morte de Herzog. Diante disso, o Ministério das Relações Exteriores comprometeu-se em comunicando público a apresentar à corte, no prazo fixado, o relatório das ações.

Logo, volta-se ao problema da anistia. Quando acionado, há oito anos, o Supremo considerou-a impeditiva de consequências judiciais em casos como o de Herzog. Assim consolidava, também, a decisão da juíza Paula Avelino no ano anterior, quando deu o crime contra Herzog como prescrito. Aí está um conflito de sentenças, entre o Supremo e a Corte Interamericana. E haverá de receber alguma solução, ou arremedo de. O menos provável é que isso caiba à corte, cuja posição é de cobrança e não de risco de ônus.

O problema para o Supremo é ainda maior do que a divergência. A corte preveniu-se já na sentença contra os escapismos adotados no Brasil para sustentar a impunidade dos criminosos militares. Um trecho: o Brasil “não pode invocar a existência de prescrição”, “nem a lei de anistia ou qualquer outra disposição excludente de responsabilidade para escusar-se do seu dever de investigar e punir responsáveis”. O assassinato de Herzog, em tortura no então 2º Exército em São Paulo, é classificado como “crime contra a humanidade, que é imprescritível”.

Uma possibilidade é a de reabertura, no Supremo, do exame da anistia. Se não para atender à corte, poderia ser, por exemplo, a pretexto de que o atestado de óbito de Herzog em 2012 foi alterado na Justiça, por iniciativa da Comissão da Verdade com a família: passou de suicídio a “morte por maus-tratos em dependências do Exército”. A partir daí, haverá o que fazer para produzir um relatório à altura do pedido e, mais ainda, da honra nacional às vezes lembrada por um ou outro.

Se não reaberta a discussão, o país estará exposto “às consequências jurídicas do Direito Internacional”. Até por ser a segunda condenação, com razões semelhantes, seguindo-se à da impunidade dos cruéis assassinatos de presos na guerrilha do Araguaia. Com um ano de prazo, não há que esperar qualquer providência séria do governo Temer em atenção às exigências da corte. O problema se encaixa na herança para o eleito em outubro. Destinado a vivê-lo sob as pressões do Exército e em situação de total dependência da posição do Supremo sobre a lei de anistia e a alegada prescrição.

A condenação do Brasil contém um significado mais. É a vitória de uma luta de mais de 40 anos: o combate da brava família criada por Vladimir Herzog pelo reconhecimento e condenação, ainda que no exterior, do crime com que a ditadura militar a mutilou mas não não venceu.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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