Por Ivan Schmidt
Pode ser que nada disso tenha acontecido realmente em Pindorama, ou que se trata apenas de um devaneio onírico. De extremo mau gosto, diga-se a bem da verdade.
Aliás, nesse fim de feira institucional, em que os três poderes da República dão a impressão de cada um estar executando a música a partir de partituras diferentes, numa desarmonia sinfônica que poderia ter Franz Kafka como autor.
Há quem imagine que o Legislativo e o Judiciário tenham aproveitado a atração da Copa do Mundo para aprovar questões polêmicas tais como a liberação de José Dirceu, um dos presos emblemáticos da Lava Jato, e modificações capciosas na lei dos agrotóxicos.
Para o El País, o Judiciário “atuou como o carcereiro que abre a porta da prisão para diversos condenados”, pois até o ex-deputado Eduardo Cunha foi beneficiado por um habeas corpus expedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, em processo instaurado em Natal (RN), mesmo que o político fluminense não tenha ficado em liberdade em face de condenações anteriores.
O fato é que a suprema corte parece ter aberto a caixa de ferramentas para dificultar (ou acabar) com a Lava Jato, posto que não tenha envidado o mínimo esforço para encobrir com uma colcha cheia de remendos suas divergências domésticas.
Um pouco antes do final de julho, o ex-ministro José Dirceu, formulador da maior parte do manual de procedimentos dos membros do Partido dos Trabalhadores, condenado em segunda instância a 30 anos e nove meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação delituosa, três integrantes da segunda turma, a saber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, endossaram posição de confronto aberto com o próprio STF, que já havia aprovado a tese de que condenado por um órgão colegiado pode (e deve) iniciar o imediato cumprimento da pena.
Foi imediata a correlação do caso José Dirceu com a prisão de Lula na Polícia Federal de Curitiba, também condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de reclusão por crimes praticamente iguais aos do companheiro de partido e artífice do arranjo político-partidário que garantiu a viabilidade dos governos petistas. A defesa de Lula tenta agora obter o mesmo benefício para o ex-presidente.
A dúvida, porém, é que o relator do processo Lula é o ministro Edson Fachin, ao passo que Dias Toffoli, não por coincidência antigo advogado do PT e, ó céus!, subordinado hierarquicamente a José Dirceu, a quem se encarregou de favorecer com a soltura, devolução do passaporte e liberação do uso compulsório de tornozeleiras eletrônicas.
Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, é muito mais duro nas decisões quanto aos condenados pela Lava Jato, em atitude oposta à trinca garantista da segunda turma, ainda de acordo com o diário espanhol. Sério obstáculo a ser enfrentado pelos advogados de Lula é que o foro em que o mesmo será julgado é composto pelos onze ministros da corte, cuja maioria já se mostrou favorável à prisão aprovada em segunda instância.
O ex-tesoureiro do Partido Progressista (PP), João Cláudio Genu, também teve a liberdade devolvida pelos mesmos três votos a um pela segunda turma, além da confirmação da liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes a Milton Lyra, operador financeiro que agiu em operações ilícitas favorecendo senadores do MDB.
Não fosse pouca coisa, Gilmar, Toffoli e Lewandowski invalidaram as provas obtidas no apartamento da senadora Gleisi Hoffmann, depois de inocentá-la em processo de corrupção e lavagem de dinheiro. O curioso é que a busca realizada no apartamento tinha como alvo o ex-ministro Paulo Bernardo, marido da senadora, não mais detentor de foro privilegiado.
“A guerra de poder e de nervos dentro do Supremo entra em pausa por causa do recesso, mas volta com tudo em agosto. Devem ser semanas movimentadas até que a configuração da corte mude, com a saída de Carmen Lúcia da presidência e a modificação da composição das turmas”, registrou judiciosamente o jornal El País.
E como diria Aparício Torelli, o Barão de Itararé, “há muito mais coisas no ar do que os aviões da Panair”.
Na pinta, mestre Ivan!
Explica-se, Ivan, o tamanho das togas. Precisa-se deles para abrigar os bolsos, largos e fundos, como convém a espaçoso balcão onde sentenças são as moedas de troca.