por Célio Heitor Guimarães
Eis que, de repente, me dou conta de que estou vivo indevidamente. Isto é, estou, mas não deveria estar. A prova disso foi captada na internet e encaminhada a mim por Márcio Augusto, um bom amigo e ótimo camarada, sempre presente com uma palavra ou um gesto fraterno.
Aliás, é inexplicável como todos aqueles que tiveram infância nos anos 40, 50 e 60 conseguiram sobreviver. Afinal:
- Os carros não tinham cintos de segurança, apoios de cabeça, nem air-bags!
- Íamos soltos no banco de trás, fazendo aquela farra! E não havia travas de segurança nas portas!
- Em casa, as camas de grades e os brinquedos eram multicoloridos e pintados com umas tintas no mínimo “duvidosas”, contendo chumbo e outros venenos!
- Os medicamentos e os detergentes químicos sempre estiveram ao alcance de nossas mãos, sem nenhum problema!
- Bebíamos água da torneira, de poço, de mangueira, do ribeirão ou de uma bica qualquer. E nada de água tratada ou mineral!
- Comíamos doces à vontade e pão com manteiga ou banha de porco, e ninguém falava em obesidade!
- Dividíamos com os amigos, gole a gole, um guaraná comprado na esquina, e nunca se ficou doente por causa disso!
- Íamos brincar na rua com uma única condição: voltar para casa ao anoitecer. Não havia celulares e nossos pais não sabiam onde andávamos!
- Construíamos carrinhos de rolimã e procurávamos sempre uma boa ladeira para tentar bater recorde de velocidade e gastar a sola dos sapatos, usada como freio!
- Andávamos de bicicleta prá lá e prá cá, sem capacete. Gessos, dentes partidos, joelhos ralados… Alguém se queixava disso?
- Tínhamos aulas só de manhã (ou só de tarde) e almoçávamos em casa, com a família, feijão, arroz, bife, batata e verduras. Aos domingos, tinha macarrão, maionese, carne assada, bolo e gasosa de framboesa!
- Nada de play-stations, nintendo 64, x-boxes, televisão, CDs, DVDs, dolby surround, computador, celular, e-mail, facebook, tweeter, whatsapp. Só amigos ao vivo, de carne e osso, e ao alcance das mãos!
- Nossos bolsos vivam abarrotados de bolinhas de gude, balas Zequinha e pelotas de barro. As setras (estilingues) iam no bolso de trás.
- Jogávamos futebol na rua, com traves sinalizadas por duas pedras ou duas latas. A bola era de meia, de borracha ou mesmo de couro.
- A pé ou de bicicleta, íamos à casa dos amigos, mesmo que eles morassem a quilômetros de distância.
- E os nossos cachorros?… Nada de ração. Comiam a mesma comida que nós (às vezes, os restos), sem problema. Banho quente? Xampu? Que nada! No quintal, um segurava o bicho e outro tacava água fria com uma mangueira e ia esfregando o pelo com sabão (em barra) de lavar roupa! E nenhum cão morreu ou adoeceu por causa disso!
- Na escola, havia ou bons e os maus alunos. Uns passavam de ano, outros não. Mas ninguém ia a psicólogos ou a terapeutas. Não havia superdotados nem se falava em dislexia ou hiperatividade. Éramos apenas crianças. Quem não passava, repetia o ano e pronto!
Como conseguimos enfrentar isso tudo e sobreviver? E, ainda por cima, ser felizes?! Pessoalmente, devo confessar que, se não sei como ainda estou vivo, acabo de descobrir por que hoje, aos setenta e tantos, sou o que sou.
Texto sensacional!!!
Célio Heitor, eu pensava que você tinha setenta e “poucos”, como diria aquele vovô para a beldade que lhe fora apresentada por uma das netas… hahahaha… no mais, concordo literalmente com o que você escreveu pois sou desse tempo. E com setenta “e tantos”… grande abraço!
Excelente crônica; se ordem e progresso significam algo é o que perdemos no tempo.