11:28Um analgésico para Neymar

por Ricardo Araújo Pereira

Concedo que tem graça o fato de Neymar ser um jogador que, tendo apenas duas pernas, por vezes grite como se lhe tivessem partido três.

Mas há uma certa nobreza naquela gritaria. Ele sabe que a Copa tem VAR. E que, nessas circunstâncias, por mais espalhafato que ele faça, o árbitro tem sempre as imagens para confirmar se ele foi verdadeiramente agredido ou não.

Noutros tempos, um bom fingimento poderia ser suficientemente persuasivo para obter um pênalti ou mesmo a expulsão de um adversário.

Alguns jogadores caprichavam na atuação até para garantir que uma falta sofrida de fato era assinalada, jogando pelo seguro.

Todos nos lembramos do pênalti realmente cometido por Joël Bats sobre Branco, no Brasil x França da Copa de 1986, em que o jogador brasileiro fica a contorcer-se no gramado até o juiz apitar, momento em que magicamente fica curado da maleita e se senta para receber o abraço de Alemão, que queria saudá-lo tanto por ter sofrido a falta como pelo excelente desempenho teatral.

E Rivaldo, em 2002, conseguiu expulsar um turco fazendo uma dor do joelho migrar para o rosto.

Mas, com o VAR, esse tipo de estratégia passou a ser inútil, e Neymar sabe disso. Ele faz aquilo mesmo por amor à arte.

Neymar é uma espécie de anti-Aquiles. A mãe de Aquiles mergulhou-o nas águas do rio Estige, dotando-o de invulnerabilidade.

Mas segurou-o pelo calcanhar, que ficou o seu ponto fraco. Neymar parece ser todo feito do calcanhar de Aquiles.

Ora, coragem não é ir à guerra sendo invulnerável; é enfrentar 11 adversários duros sendo uma delicada flor.

É importante sublinhar que, por exemplo, o mexicano Miguel Layún pisou mesmo o tornozelo de Neymar. E creio que concordamos todos que um pisão no tornozelo dói.

Mas a reação de Neymar não é a um pisão de tornozelo, é a uma amputação, com um machado, de um pé que foi previamente mergulhado em lava.

É por isso que a atuação de Neymar me parece valiosa: aquilo é o que um multimilionário residente em Paris acha que a dor é.

Quando Anderson Silva quebrou a tíbia no joelho de Chris Weidman, no UFC, contorceu-se bastante menos.

E essa é uma evidência do poder da arte: a dor real machuca muito menos do que a dor imaginada.

*Publicado na Folha de S.Paulo

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.