7:51A bolha de sabão

por Célio Heitor Guimarães 

Sempre que acordo com depressão e falta de esperança na humanidade, recorro ao meu saudoso Rubem Alves, até hoje o meu filósofo favorito. Na sua vasta obra, presente nas livrarias de bom conteúdo, ele tem um livrinho (o diminutivo é apenas carinhoso) chamado “Pensamentos que penso quando não estou pensando” (quem, além de Rubem, seria capaz de idealizar um título assim?), edição da Papirus, de Campinas, SP.

Nele, na crônica que fecha o volume – “Bolha Terra Chamando…” –, o mestre confessa que mais do que a própria morte e a morte das pessoas que ele ama, o que mais lhe dói é a possibilidade da morte prematura da nossa Terra. Sim, Terra, este planeta tão judiado por todos nós. E o mais trágico – destaca ele –será se ela morrer antes da hora, assassinada por seus próprios filhos.

Rubem confessa o assombro dele com o nascimento de coisas tão lindas e mansas de uma enorme explosão ocorrida há 15 bilhões de anos, o Big Bang descoberto pelos cientistas: “Do caos nasceram ordem, vida e beleza,” – registra – “da mesma forma como uma bolha de sabão sai, perfeita, do canudinho que o menino sopra”.

E foi exatamente aí que ele se assustou, temendo que a bolha, tão bonita e perfeita, estoure antes da hora. Sabe o leitor por quê? Por essa desgraça que damos, animadamente, o nome de “progresso”.

— Todos os candidatos a presidente, todos, indistintamente, de direita e de esquerda, prometem “progresso” – sublinha o nosso Rubem, acrescentando: “Mas nenhum deles promete preservar a natureza. Qualquer menino sabe que a bolha de sabão é frágil. Não pode crescer sempre. Se crescer além do limite, ela estoura. E a nossa Terra é precisamente uma bolha frágil que navega pelos espaços vazios, bolha onde apareceram, miraculosamente, as condições para que a vida viesse a existir. Mas, se essas condições desaparecerem, a vida deixará de existir”.

Como de costume, continuo concordando com Rubem. E a razão dessa concordância é explicada por ele mesmo, em outro pensamento, quando responde por que se gosta de um autor: “Gosta-se de um autor quando, ao lê-lo, tem-se a experiência de comunhão”. Por isso, o leitor brasileiro tanto amou e continua amando, como eu, Rubem Alves. Parafraseando as suas próprias palavras, tão carregadas de verdade e sabedoria, ao lê-lo, nós nos lemos. Melhor: nos entendemos. “Somos do mesmo sangue, companheiros no mesmo mundo” – enfatizava ele.

Rubem sempre se disse preocupado com o planeta Terra, com os males que ele tem sofrido. E foi direto ao xis da questão:

“Muitas críticas justas já se fizeram ao capitalismo, de um ponto de vista ético, em sua tendência de produzir pobreza e concentrar riqueza. Mas raramente se fala sobre o capitalismo como um sistema autodestrutivo que, para existir e gozar de boa saúde, tem de estar num processo de crescimento constante: mais empregos, mais trabalho, mais devastação da natureza, mais monóxido de carbono no ar, mais lixo – seis bilhões de quilos de lixo por dia! –, mais exploração dos recursos naturais, mais florestas cortadas, mais poluição dos mananciais… Até quando a frágil bolha suportará?”

A indagação se torna trágica quando se lembra que no comando do império, da nação mais rica e poderosa do mundo, encontra-se um desequilibrado, um vaidoso arrogante e irresponsável, que incentiva o uso de armas para matar estudantes nas escolas, pouco está preocupado com o aquecimento global e com a poluição do meio ambiente – ao contrário, incentiva-a, em nome do “desenvolvimento” – e é aprovado por grande parte dos eleitores norte-americanos,

Resta-me apenas – que fazer? – sugerir ao amigo leitor que, se ainda não conhece, procure conhecer o mais breve possível essa valiosa pequena obra de Rubem Alves. Com ela, certamente, ficará um pouco mais iluminado e, em vez de preocupar-se com o mercado, com os canalhas que nos governam, com o progresso e bobagens que tais, passe a dar mais importância aos campos verdes, ao céu azul, aos beija-flores, aos rios que escorrem entre as pedras, ao vento que balança as arvores, às flores dos jardins – coisas que tanto encantavam Rubem Alves e devem encantar a todos nós, habitantes desta maravilhosa e frágil “bolha de sabão”.

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