20:27ZÉ DA SILVA

A teoria de que o sol do Nordeste amolece o miolo do cérebro das pessoas foi provada por mim mesmo. Lá em casa o galo tinha preguiça de cantar. Ele colocava o despertador às 4h porque, às cinco, ia se abanar na sombra de uma mangueira – porque não aguentava mais o calor. Tive de fugir de lá. Motivo? Uma cabeça arrancada a tiro. Deus matou o sujeito que fez o que não devia. Levei a culpa. Vim me esconder na Cidade Sorriso. Cheguei aqui com os dentes de fora, apesar de as rapaduras terem estragado alguns deles. Para quem morava em casa de taipa, uma de madeira, marrom, com janelas e lambrequins branquinhos, parecia coisa de sonho. No primeiro inverno coloquei o colchão para dormir no quintal porque dentro de casa fazia mais frio. Mas, com o tempo, me acostumei. Gostei das baixas temperaturas. Aprendi a gostar. Me faz mais ativo, principalmente depois do banho gelado logo de manhã – e pensar. Pensei então que a saudade que tenho do meu pedaço de terra e do meu povo é grande, mas vou ficando por aqui, apesar de ter notado que aqui tem gente mais fria do que encontrei dentro daquela casinha pequenina. Quando desceu o mapa, meu miolo estava derretido. Congelou assim. Fiquei desse jeitinho.

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