12:59Sou devoto de São Miguel de Unamuno

por Miguel Sanches Neto

No dia 17, última quinta-feira, fui eleito reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) para o quadriênio 2018-2022. Isso seria apenas mais uma eleição da instituição que me recebeu, por concurso público, em 1º de março de 1993, se nossa vitória não estivesse revestida de alguns simbolismos.
A UEPG nasceu das faculdades isoladas, no final dos anos 1940, tendo sido responsável pela interiorização do ensino superior no Paraná, em uma época em que a estrada de ferro e a industrialização davam dividendos políticos ao município.
Um dos cursos fundadores foi Letras, que contou com um intelectual (Bruno Enei) que à época rivalizava com os intelectuais da Universidade (Federal) do Paraná, em Curitiba.
Passados 70 anos, um professor de Letras chega à reitoria.
Mais do que isso, pela primeira vez, um representante do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes ocupará o cargo máximo da instituição.
Para chegar a esta vitória, muito preconceito teve que ser vencido.
Primeiro, o autopreconceito – ter a convicção de que, sim, somos iguais a todos os outros cursos.
Depois, foi preciso derrubar uma barreira maior. Que um candidato não só de Letras, mas da disciplina de Literatura, e por cima escritor, pudesse administrar o segundo maior orçamento dos Campos Gerais.
O caminho foi longo.
Tive que ser pró-reitor (e ocupar outros cargos) para demonstrar minimamente que isto era possível. Nesta época, nas reuniões do Conselho de Administração, um dos conselheiros replicava minhas intervenções com uma exclamação pejorativa:
– E falou o nosso poeta!
O peso deste preconceito eu senti em 2014, quando perdi a eleição para reitor por pouco mais de 4% dos votos. Muitos colegas de outras áreas tentavam descredenciar minha candidatura dizendo que tudo que eu sabia fazer era escrever uns livrinhos aí; que continuasse fazendo isso. E espalharam trechos de textos meus dizendo que “agrediam” (na ótica deles) a cidade.
Nesta eleição, não foi diferente. Mesmo enfrentando adversários de campos do conhecimento próximos ao meu, surgiu uma fake new (entre tantas outras bobagens bêbadas) que me acusava de plagiar um livro de Dalton Trevisan.
Claro que ri, não pela maldade dessa guerrilha digital, mas pela burrice implícita na acusação infundada. Fiz um roman à clef sobre o meio literário curitibano em que é possível reconhecer nos personagens características de pessoas reais – trata-se de Chá das cinco com o vampiro. Um romance que pode ser interpretado de diferentes maneiras, menos como plágio.
Mudam-se os adversários, permanece o preconceito.
Como o preconceito só pode ser vencido com a afirmação de quem somos, declaro aqui que inicio esta jornada de reitor sob a proteção literária de São Miguel de Unamuno (1864-1936), grande escritor de origem basca (como meus avós), grande defensor da Universidade de Salamanca – da qual foi reitor duas vezes. Em 12 de outubro de 1936, durante a ditadura de Franco, em um discurso duro contra os fascistas, com armas apontadas para ele e sob acusações inflamadas como “morra a intelectualidade”, ele defendeu com altivez a autonomia da Universidade. Em seguida, foi execrado pelos fascistas e exonerado.
Neste momento de autoritarismos (tanto à direita quanto à esquerda), Unamuno assume uma força de devoção. Dedico a ele os 4 anos que passarei à frente da reitoria da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

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4 ideias sobre “Sou devoto de São Miguel de Unamuno

  1. Parreiras Rodrigues

    Aos perdedores, as batatas, ainda sepultas e verdes. E viva São Miguel de Unamuno! (do Latim: Una – um e muno – grana), acho eu 1. O São Miguel padroeiro do escritor, poeta e reitor Sanchez Neto era um duro, acho eu 2.

  2. tudo igual

    Marcelo Knobel, físico e reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) desde abril de 2017

    https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/05/marcelo-knobel-as-universidades-num-mundo-em-transformacao.shtml?loggedpaywall

    As universidades num mundo em transformação

    Instituições têm de se adaptar, ou ficarão obsoletas

    Marcelo Knobel

    Universidades são instituições cuja origem remonta à Idade Média. Se sobreviveram ao passar do tempo e continuam relevantes até hoje, é porque souberam reinventar-se e se adaptar às diferentes realidades de cada época.

    Uma das exigências que o século 21 tem imposto às universidades é a de que elas se aproximem da sociedade e estreitem suas relações com os diversos grupos que a compõem.

    No mundo atual, já não há lugar para torres de marfim alheias às demandas que emergem no seu entorno. As universidades não conseguirão resolver sozinhas as profundas desigualdades socioeconômicas, regionais e étnicas em nosso país e na América Latina. Mas podem, e devem, ser parte importante na busca dessas soluções, atuando como agentes transformadores do sistema econômico e social.

    Para que possam contribuir de modo contundente para o desenvolvimento social e regional, é fundamental que busquem novas ideias e boas práticas, mantendo, sempre, a flexibilidade para rever e mudar seus modelos conforme as necessidades da sociedade.

    Mas realizar tais mudanças é tarefa que exige discussão e planejamento. Não por acaso, o tema será um dos eixos centrais de um importante encontro de dirigentes universitários que ocorrerá a partir desta segunda-feira (21) na Espanha, o 4º Encontro Internacional de Reitores Universia, com o tema “Universidade, Sociedade e Futuro”, para o qual são esperados representantes de cerca de cem instituições brasileiras e de outras 500 do exterior.

    Reunidos na histórica Universidade de Salamanca —uma legítima sobrevivente da passagem do tempo, que comemora este ano seu oitavo centenário—, os participantes do encontro trocarão ideias e experiências sobre como as universidades podem preparar-se para responder com criatividade e dinamismo às atuais demandas da sociedade.

    O programa foi disposto em três eixos principais: formar e aprender em um mundo digital; pesquisar na universidade, um paradigma em revisão?; e contribuição ao desenvolvimento social e regional, do qual sou coordenador.

    Nesse terceiro eixo estará em debate, por exemplo, o desafio de formar recursos humanos qualificados para um mercado de trabalho em constante mutação. Como fazer isso sabendo que muitas das profissões do futuro ainda não foram nem sequer criadas? Certamente o caminho passa pela educação de cidadãos éticos, plenos e com bases sólidas para acompanhar as mudanças velozes de um mundo cada vez mais conectado e globalizado.

    Serão também debatidos modelos de fomento ao empreendedorismo universitário e como as universidades devem refletir estrategicamente diante dos objetivos de desenvolvimento sustentável.
    Essas reflexões devem, necessariamente, abarcar aspectos relacionados a acesso, permanência, equidade, diversidade, excelência, internacionalização e inovação.

    As mudanças, contudo, têm de ser ainda mais amplas não somente no interior das universidades, mas também em toda a sociedade. A dimensão social precisa ser incorporada, de maneira transversal, às três áreas de atuação universitária —o ensino, a pesquisa e a extensão. As universidades precisam redobrar os esforços em comunicação, para mostrar à sociedade as suas inestimáveis contribuições.

    É preocupante assistir a uma nova geração de professores e pesquisadores extremamente bem formados —a um alto custo— que não encontram bons empregos nem perspectivas de carreira acadêmica. E é inaceitável acompanhar a redução de recursos para a pesquisa científica e para a formação de pós-graduandos. Temos no sistema de educação superior do país diversos exemplos bem-sucedidos, apesar do sistema de governança ultrapassado, salários reduzidos, ambiente estressante, futuro incerto e burocracia.

    Nesse sentido, as universidades devem mergulhar em uma profunda transformação, planejando efetivamente a expansão de oportunidades, realizando avaliação de qualidade, ampliando o impacto de suas pesquisas, repensando o desenvolvimento de currículos, definindo adequadamente o perfil de formandos, introduzindo ferramentas de ensino modernas e possibilitando mais mobilidade dos estudantes. O mundo se transforma de maneira avassaladora, e as universidades têm de acompanhar essas mudanças, ou ficarão obsoletas.

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