14:39Astúcias da História

Por Ivan Schmidt 

“É preciso conhecer o passado para não repeti-lo” é uma frase emblemática da introdução da monumental da biografia de Adolf Hitler escrita por John Toland. Como se sabe Hitler se suicidou no meio da tarde de 30 de abril de 1945, poucas horas depois de os primeiros soldados do exército russo terem entrado em Berlim.

Na verdade, foi apenas um pequeno lapso que separou a morte do führer da chegada dos russos ao bunker onde Hitler e Eva Braun se mataram, ela engolindo uma pastilha de cianureto e ele com um tiro de pistola na têmpora direita, desferido pelo próprio ditador.

A biografia foi publicada originalmente em Nova York em 1976 e dois anos depois, com a tradução de Henrique Mesquita, editada no Brasil em dois volumes pela Francisco Alves Editora, do Rio de Janeiro, na época completando 130 anos ao longo dos quais alcançou notoriedade pela valorização de autores da literatura brasileira e mundial.

Nessa segunda-feira (30) a morte de Hitler completa 73 anos e até hoje continua atraindo enorme atenção de historiadores, sociólogos, cientistas políticos, professores, estudantes e cidadãos comuns, interessados não apenas em entender a personalidade do todo-poderoso criador do Terceiro Reich, mas em estudar a fundo as origens e desenvolvimento da doutrina nazista.

Dentre as recentes biografias de Adolf Hitler há quem sustente que a de Toland é a melhor, embora muitos façam questão de citar as que foram escritas por Joaquim Fest e, mais recentemente por Ian Kershaw, seguramente o pesquisador que teve acesso aos arquivos ainda encobertos sobre o nazismo.

Sobre os últimos momentos da vida de Hitler, o historiador norte-americano escreveu que “no fim da manhã do dia 30 de abril, o Tiergarten foi conquistado pelos soviéticos e anunciou-se a presença de uma unidade vanguardista vermelha na rua que dava para a Chancelaria. Não se conseguiu discernir o efeito de tais notícias na pessoa de Hitler. Almoçou com as duas secretárias e a cozinheira, conversando com amenidade, como se tratasse de mais uma costumeira reunião do círculo de família”.

Depois do almoço Hitler mandou chamar Martin Borman, o casal Goebbels e vários outros auxiliares: “Mais curvado do que nunca, saiu ele vagarosamente do quarto de dormir, em companhia de Eva, que trajava o vestido negro que Hitler mais admirava; penteara e escovara cuidadosamente os cabelos. Hitler cumprimentou a todos. Estava pálido e com lágrimas nos olhos”.

Os momentos seguintes foram dedicados à despedida dos auxiliares pessoais, tendo Toland revelado que Eva fez a Hitler um apelo para que abandonassem o bunker, algo que aparentemente foi ignorado.

O casal recolheu-se aos aposentos particulares e sentou-se num divã, atrás do qual ficara vazio o lugar antes ocupado pelo retrato de Frederico, o Grande, que Hitler deu de presente a seu piloto particular, Baur. Segundo o biógrafo, foi Eva a primeira a morrer, após tomar o veneno. Cerca das 3h30 da tarde, Hitler pegou a pistola Walther calibre 7.65, a arma que lhe acompanhara há anos, desde os tempos em que o partido engatinhava, como meio de defesa aos ataques de agentes comunistas nunca registrados.

“Várias vezes, sucumbindo a ataques de depressão ameaçara suicidar-se com a pistola Walther. Agora era real, era sincera a intenção. Sobre uma cômoda, figurava o retrato de sua mãe, quando jovem. Hitler encostou o cano da pistola na têmpora direita e puxou o gatilho”, escreveu Toland.

Goebbels, Borman e Günsche foram os primeiros a entrar no aposento ao ouvirem o estampido: “Günsche viu o führer dobrado no divã, com a face sustentada pela mesa baixa. A sua esquerda jazia Eva, pesadamente reclinada sobre o braço do móvel, com os lábios colados pela mão da morte, e as narinas embranquecidas pelo uso do cianureto. Estava molhado o vestido, mas não de sangue. O corpo do führer, ao inclinar-se, fizera cair um vaso que enfeitava a mesa”, relatou o historiador.

Desarvorados, os homens que permaneceram ao redor do chefe até o momento final, envolveram o cadáver de Hitler num cobertor do exército e o levaram para fora do bunker. Já se ouviam os tiros e a explosão de bombas dos soldados vermelhos sobre os muros e paredes da Chancelaria, quando os corpos de Hitler e Eva foram ensopados com gasolina e incinerados num canto do jardim.

À noite, os restos carbonizados de Hitler e Eva foram envolvidos numa lona e “metidos num buraco de bomba, ao lado da saída do abrigo e cobertos de terra. Socou-se firmemente a terra, com um pesado instrumento de madeira”, concluiu Toland segundo o depoimento de um auxiliar.

As palavras escolhidas pelo historiador para colocar o ponto final na longa narrativa são memoráveis: “A bandeira tombou onde ele caiu e, quando morreu, morreu também o nacional-socialismo e o seu sonhado Terceiro Reich milenar. Por culpa dele, a Alemanha que tanto amava jazia em ruínas”.

E ainda: “Por uma dessas ironias, por uma dessas astúcias da História, malogrou-se a força que impeliu o curso da vida de Hitler – os sentimentos de ódio e medo aos judeus. Tencionara fazer da eliminação de seis milhões de judeus o seu maior legado ao mundo. Ao contrário do que pretendera, desse extermínio resultaria a formação do Estado judeu, o Estado de Israel”.

Compartilhe

2 ideias sobre “Astúcias da História

  1. Zangado

    É, Franco, existe dúvida sobre esse fato, e não são desprezíveis. Ou matou-se ou sua fuga foi permitida. Hitler já era um idoso e nada representaria sem seus generais vencidos e cientistas cooptado pelos americanos e russos para virarem as páginas amargas da História; já a ninguém interessava a guerra.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.